Alpes Literários

Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quarta-feira, 31 de janeiro de 2018

João de Jesus Paes Loureiro - Em Belém do Pará ‎

Loureiro consignou em seu poema o que lhe surgiu da memória, num repente: a imagem de Belém, um pássaro a pousar – em suas mangueiras?! –, como os muitos que, v.g., fazem bastante alarido pelas praças e avenidas arborizadas, sobretudo os periquitos verdes em bandos.

Assim, as estampas da cidade, predestinadas à quase eternidade na mente do poeta, brotam como uma “flor interrompida” no coração de seu livro. E ao evocá-las, expressa sentimentos talvez antinômicos, sintetizados num aliterante “fulgor fugaz de felicidade”, conjugado à melancolia em estado germinal.

E então, por nossa parte, arremataríamos que Belém tem mesmo bastante desse amálgama, como num fado lusitano: é um estado de felicidade – por associar-se tão descomedidamente com a natureza – e de melancolia – essa outra forma de felicidade, ou como diria Victor Hugo, a felicidade de estar triste por não podermos resgatar o passado ali vivenciado – momentos, experiências, lugares, pessoas...

J.A.R. – H.C.

João de Jesus P. Loureiro
(n. 1939)

Em Belém do Pará

De repente
tua imagem
no poema.
Metáfora.
Pousar de pássaro.
Cintilação da memória.
Imagem.
Esse teu rosto súbito
quase eterno
feito uma flor interrompida
no coração de um livro.
Ah! Esse fulgor fugaz de felicidade...
Ah! Essa semente de melancolia...

Em: “Livro Primeiro – Algumas Viagens”

Relógio nas Imediações do Ver-o-Peso
(Thiago Losant: artista pernambucano)

Referência:

LOUREIRO, João de Jesus Paes. Em Belém do Pará. In: __________. O ser aberto. Belém, PA: Cultural Brasil & CEJUP, 1991. p. 58.

terça-feira, 30 de janeiro de 2018

Jayanta Mahapatra - Um Dia de Chuva ‎

A constar numa seleta de 60 (sessenta) poetas indianos que se expressam no idioma inglês, este poema, tal como o de Bly – postado há poucos dias –, também se concentra em fixar paralelos entre aquilo que se vê e aquilo que, sem estar exposto aos olhos, se pressente ou se intui por outros meios.

Há a chuva em primeiro plano, mas também um verão auspicioso, que não se divisa daqui, por trás das encostas; o uivar do vento e o canto dos grilos, nessa paisagem, bem assim coisas que fenecem no lado oculto da folha de relva. E, ao fim, pergunta-se o poeta sobre o que prevalece dentro do poço escuro do amor: se “arte, cerimônia ou voz a jazer sob a sua despretensiosa escuta da chuva?”‎.

J.A.R. – H.C.

Jayanta Mahapatra
(n. 1928)

A Day of Rain

Once again, it has been a day of rain.
And I hear the flutter of light feet
on the warm earth, excited wings
loosening from the dark. There’s
a summer hiding away behind the hills,
a haunting dream whose meaning
always escape me,
like the sad shut tufts of mimosa,
hanging there tame and weeping
for the lost touch.
What thin air your face is now,
now that I touch it. Out here,
the stupid code of the crickets,
the wind’s low whine; who knows
what’s dying underneath
a growing blade of grass?
Or what habit palpitates
inside the dark pit of love:
art, ceremony or voice that lies
under my aimless hearing of the rain?

Dia Chuvoso
(Sunil Linus De: pintor indiano)

Um Dia de Chuva

Uma vez mais, o dia deu em chuvoso.
E ouço o vibrar de pés ligeiros
sobre a terra quente, asas excitadas
a aflorar da escuridão. Há
um verão que se esconde atrás das colinas,
um sonho inquietante cujo significado
sempre me escapa,
como os tristes folíolos selados da mimosa,
pendente acolá, mansa e a contristar-se
pelo toque perdido.
Quão delgado é o seu aspecto agora,
agora que eu a toco.
Aqui fora,
o estúpido código dos grilos,
o uivo débil do vento; quem percebe
o que está definhando por baixo
de uma vicejante folha de relva?
Ou qual o hábito que palpita
dentro do poço escuro do amor:
arte, cerimônia ou voz a jazer
sob a minha despretensiosa escuta da chuva?

Referência:

MAHAPATRA, Jayanta. A day of rain. In: THAYIL, Jeet (Ed.). 60 indian poets. New Delhi, IN: Penguin Books India, 2008. p. 311-312.

segunda-feira, 29 de janeiro de 2018

Jorge Luis Borges - O Mar ‎

Borges tenta apreender a simbólica do mar, essa força da natureza que sempre “estava e era”, díade que encerra o seu estado e essência já em priscas eras. E para conhecê-lo – e desse modo conhecer-se a si mesmo – faz-se necessário que o dia da agonia se torne passado, o que indica um ponto futuro além de outro que já se tornou pretérito, embora ambos no futuro do presente, num composto temporal fluído, do qual o movimento do mar é um de seus mais notórios arquétipos.

E contemplar o mar – portentosa exteriorização líquida do reino das formas – é sempre vê-lo pela primeira vez, mesmo já o tendo visto em outras tantas oportunidades. Isso porque, segundo Borges, o mar precede o momento mesmo em que a humanidade teceu, em sonhos, as suas mitologias e cosmogonias.

J.A.R. – H.C.

Jorge Luis Borges
(1899-1986)

El Mar

Antes que el sueño (o el terror) tejiera
mitologías y cosmogonías,
antes que el tiempo se acuñara en días,
el mar, el siempre mar, ya estaba y era.
¿Quién es el mar? ¿Quién es aquel violento
y antiguo ser que roe los pilares
de la tierra y es uno y muchos mares
y abismo y resplandor y azar y viento?
Quien lo mira lo ve por vez primera,
siempre. Con el asombro que las cosas
elementales dejan, las hermosas
tardes, la luna, el fuego de una hoguera.
¿Quién es el mar, quién soy? Lo sabré el día
ulterior que sucede a la agonia.

En: “El otro, el mismo” (1964)

A Onda
(Gustave Courbert: pintor francês)

O Mar

Antes que o sonho (ou o terror) tecesse
mitologias e cosmogonias,
antes que o tempo se cunhasse em dias,
o mar, o sempre mar, já estava e era.
Quem é o mar? Quem é o violento
e antigo ser que corrói os pilares
da Terra e é um mar e muitos outros
e abismo e resplendor e acaso e vento?
Quem o olha o vê pela primeira
vez, sempre. Com o assombro que as coisas
elementares deixam, as formosas
tardes, a lua, o fogo, uma fogueira.
Quem é o mar, quem sou? Só saberei
no dia seguinte da agonia.

Em: “O outro, o mesmo” (1964)

Referência:

BORGES, Jorge Luis. El mar / O mar. Tradução de Heloisa Jahn. In: __________. Nova antologia pessoal. 1 ed. Traduções de Davi Arrigucci Jr., Heloisa Jahn e Josely Vianna Baptista. São Paulo: Companhia das Letras, 2013. Em espanhol: p. 290; em português: p. 26.

domingo, 28 de janeiro de 2018

Ivan Junqueira - Esse punhado de ossos

Eis um belo soneto do poeta e tradutor carioca, focado no tema da transitoriedade da experiência humana sobre a terra, ontem vivenciada com intensidade por reis, príncipes, bispos e donzelas, hoje todos recolhidos a monturos de ossos, inertes e expostos ao cáustico sol.

Sem acentuar qualquer tom capaz de aproximar demais o poema aos lamentos eclesiásticos, o poeta, contudo, não se abstém de sublinhar a supremacia desmanteladora do tempo, a fazer tábua rasa de eventuais propósitos de eternidade: mesmo a palavra grafada deixa de reverberar com o avançar dos anos, tudo se reduzindo irreversivelmente ao pó primordial.

J.A.R. – H.C.

Ivan Junqueira
(1934-2014)

Esse punhado de ossos

A Moacyr Félix

Esse punhado de ossos que, na areia,
alveja e estala à luz do sol a pino
moveu-se outrora, esguio e bailarino,
como se move o sangue numa veia.
Moveu-se em vão, talvez, porque o destino
lhe foi hostil e, astuto, em sua teia
bebeu-lhe o vinho e devorou-lhe à ceia
o que havia de raro e de mais fino.
Foram damas tais ossos, foram reis,
e príncipes e bispos e donzelas,
mas de todos a morte apenas fez
a tábua rasa do asco e das mazelas.
E ali, na areia anônima, eles moram.
Ninguém os escuta. Os ossos não choram.

Titã Abatido
(Jinho Bae: artista sul-coreano)

Referência:

JUNQUEIRA, Ivan. Esse punhado de ossos. In: MORICONI, Italo (Organização, introdução e referências bibliográficas). Os cem melhores poemas brasileiros do século. Rio de Janeiro, RJ: Objetiva, 2001. p. 317.

sábado, 27 de janeiro de 2018

Billy Collins - Introdução à Poesia

O poeta declina os seus preceitos pedagógicos para quem quiser se acercar de um poema qualquer, orientando o leitor a realmente ouvir-lhe os sons, o seu aspecto visual, de modo a experimentá-lo do jeito como de fato é, ou melhor, não ao modo tradicional, senão pelo método iconoclasta incorporado às metáforas de seus versos.

Projetar o poema à contraluz permite-nos explicitar as imagens contidas em seu interior e o tinido que delas aflora, vaguear qual um rato pelas diferentes estruturas que o configuram – suas formas e tamanhos –, penetrando em seu labirinto sem nos sentirmos perdidos, perscrutando-lhe a saída.

Outra metáfora empregada por Collins é a de um poema e suas estrofes como os vários compartimentos de uma casa, que precisam ser iluminados para serem compreendidos em sua urdidura, e passando de seu interior à superfície, esquiar sobre suas águas, acenando para o autor, que se encontra à margem, mantendo, por conseguinte, certo distanciamento da criação ao criador.

E contemplemos os versos derradeiros deste poema: o ato de apreciar uma poesia, decerto, não é como prendê-la e fustigá-la até que ela confesse ideias ou propósitos não tencionados em sua concepção, os quais, muitas das vezes, se passam apenas no juízo do intérprete, pois a tortura não tem lugar na hermenêutica do poema!

J.A.R. – H.C.

Billy Collins
(n. 1941)

Introduction to Poetry

I ask them to take a poem
and hold it up to the light
like a color slide

or press an ear against its hive.

I say drop a mouse into a poem
and watch him probe his way out,

or walk inside the poem’s room
and feel the walls for a light switch.

I want them to waterski
across the surface of a poem
waving at the author’s name on the shore.

But all they want to do
is tie the poem to a chair with rope
and torture a confession out of it.

They begin beating it with a hose
to find out what it really means.

Mulher e Um Vaso de Flores
(A. C. W. Duncan: artista britânico)

Introdução à Poesia

Peço-lhes que tomem um poema
e o mantenham contra a luz
como um diapositivo de cor

ou aproximem uma orelha contra a sua colmeia.

Ordeno-lhes que soltem um rato dentro do poema
e o vejam sondar pelo seu ponto de saída,

ou caminhem pelo aposento do poema
a tatear-lhe as paredes em busca de um interruptor.

Quero que pratiquem esqui aquático
por sobre a superfície de um poema
acenando ao nome do autor recolhido à orla.

No entanto tudo o que eles querem fazer
é atar o poema com corda a uma cadeira
e torturá-lo até confessar.

Começam a fustigá-lo com uma mangueira
para descobrir o seu real significado.

Referência:

COLLINS, Billy. Introduction to poetry. In: DOVE, Rita (Ed.). The penguin anthology of twentieth century american poetry. New York, NY: Penguin Books, 2013. p. 381.

sexta-feira, 26 de janeiro de 2018

Herman Melville - A Paisagem Ática

O poeta alerta o turista para que perceba as diferenças de toda ordem – em especial as culturais, as arquitetônicas e as do relevo – entre a região de Tivoli (Roma), na Itália, e da Ática (Atenas), na Grécia – local onde haveria uma perfeita harmonia entre a natureza e a arte.

Percebe-se o efeito visual da paisagem reportada nos versos de Melville, a sugerir as edificações da Acrópole em contraste com o terreno rochoso à volta, tudo a evocar a aura da estirpe helênica que marcou para sempre a história do pensamento no ocidente.

J.A.R. – H.C.

Herman Melville
(1819-1891)

The Attic Landscape

Tourist, spare the avid glance
That greedy roves the sight to see:
Little here of “Old Romance,”
Or Picturesque of Tivoli.

No flushful tint the sense to warm –
Pure outline pale, a linear charm.
The clear-cut hills carved temples face,
Respond, and share their sculptural grace.

‘Tis Art and Nature lodged together,
Sister by sister, cheek to cheek;
Such Art, such Nature, and such weather
The All-in-All seems here a Greek

Cavalos da Ática
(Arthur B. Davies: artista norte-americano)

A Paisagem Ática

Turista, esquece teu ávido olhar
Que sôfrego perscruta este lugar:
Pouco aqui encontrarás de “Antigo Romance”,
Ou Pitoresco do Tivoli.

Nenhum matiz intenso agitará teus sentidos –
Puros e pálidos contornos, um encanto linear.
Os montes recortados esculpiram o rosto dos templos,
Sustentam e partilham sua graça escultural.

É a arte e a Natureza habitando lado a lado,
Irmã junto à irmã, a face tocando a face;
Uma arte assim, uma Natureza assim, e um tempo assim,
O Todo-no-Todo aqui parece um Grego.

Referência:

MELVILLE, Herman. The attic landscape / A paisagem ática. Tradução de Mário Avelar. In: __________. Poemas. Selecção, tradução e introdução de Mário Avelar. Edição bilíngue. Lisboa, PT: Assírio & Alvim, 2009. Em inglês: p. 86; em português: p. 87. (“Documenta Poetica”, v. 128)

quinta-feira, 25 de janeiro de 2018

Nicolas Behr - poesia é portal ‎

O poeta faz poesia abordando a própria poesia em suas noções, significados, conceitos, sentidos, acepções, descrições. Poesia sobre poesia. Metapoesia, consequentemente. Ela que é um portal, com aptidão para “despressurizar” as tensões internas de quem dela lança mão.

Sob esse enfoque, além de sua aspiração estética, expressa também o poema lídima dimensão catártica, naquilo que é capaz de fazer o vate se “sentir melhor”, vale dizer, na hipótese de o cerne temático da poesia veicular algo que lhe vai no interno, em específico, a lhe trazer incômodos ou agitações no espírito.   

J.A.R. – H.C.

Nicolas Behr
(n. 1958)

poesia é portal

poesia é portal, refúgio
poesia é quarto escuro
poesia é o esconderijo
secreto da alma
poesia é libélula
garça distraída
nuvem arisca
pedra no caminho
andarilho sem destino
(poesia é tudo isso
que você está sentindo agora)
poesia é consolo, afago,
abraço bem dado
beijo de amigo

poesia é pra você parar
pegar um papel
escrever qualquer coisa
se sentir melhor
e seguir em frente

poesia despressuriza

Libélula
(Tracy L. Teeter: pintora norte-americana)

Referência:

BEHR, Nicolas. poesia é portal. In: FERREIRA DA SILVA, Dora et al. Boa companhia: poesia. 1. ed., 1. reimp. São Paulo, SP: Companhia das Letras, 2005. p. 148.

quarta-feira, 24 de janeiro de 2018

Sylvia Plath - Eu pensei que não poderia ser magoada

Vejam a sensibilidade já aflorada numa garota de quatorze anos, que redigiu o poema abaixo em resposta a um evento fortuito que lhe danificou a aquarela recém-acabada de uma natureza-morta: trata-se, indubitavelmente, de uma poesia penetrante, a refletir sensações opressivas, muito provavelmente presentes no espírito da poetisa.

Sylvia percebe que não tem nada de invulnerável e, tanto quanto os seus pares, está de fato exposta às alegrias e tristezas que assomam ao coração humano, esse poço profundo, exposto como espelho às ondas do pensamento, que ora solta o seu canto, ora o seu lamento.

J.A.R. – H.C.

Sylvia Palth
(1932-1963)

I thought that I could not be hurt

I thought that I could not be hurt;
I thought that I must surely be
impervious to suffering −
immune to mental pain
or agony.

My world was warm with April sun
my thoughts were spangled green and gold;
my soul filled up with joy, yet felt
the sharp, sweet pain that only joy
can hold.

My spirit soared above the gulls
that, swooping breathlessly so high
o’erhead, now seem to brush their whirring
wings against the blue roof
of the sky.

(How frail the human heart must be −
a throbbing pulse, a trembling thing −
a fragile, shining instrument
of crystal, which can either weep,
or sing.)

Then, suddenly my world turned gray,
and darkness wiped aside my joy.
A dull and aching void was left
where careless hands had reached out to destroy
my silver web of happiness.
The hands then stopped in wonderment,
for, loving me, they wept to see
the tattered ruins of my firmament.

(How frail the human heart must be –
a mirrored pool of thought. So deep
and tremulous an instrument
of glass that it can either sing,
or weep.)

Pintura Sem Título
(Nydia Lozano: pintora espanhola)

Eu pensei que não poderia ser magoada

Eu pensei que não poderia ser magoada;
pensei que deveria ser de fato
insensível ao sofrimento –
imune à dor mental
ou à angústia.

Um sol de abril tornava cálido o meu mundo,
Meus pensamentos matizados de verde e dourado;
minh’alma, repleta de enlevo, sentia porém
a dor lacerante e doce que só a alegria
pode conter.

Meu espírito pairava por sobre as gaivotas
que, sulcando sem alento as alturas
mais acima, pareciam agora roçar suas asas
zumbentes contra o teto azul
do céu.

(Quão frágil deve ser o coração humano –
um pulso latejante, uma coisa trêmula –
um instrumento frágil e brilhante
de cristal, que pode chorar
ou cantar.)

Então, de repente meu mundo se fez cinza,
e as trevas dissiparam minha alegria.
Um tedioso e pungente vazio subsistiu
onde mãos remissas haviam intentado destruir
a prateada rede da minha felicidade.
As mãos se detiveram, então, assombradas,
e, como me amavam, choraram ao ver
as ruínas em frangalhos do meu firmamento.

(Quão frágil deve ser o coração humano –
um poço a espelhar o pensamento. Um tão
profundo e trêmulo instrumento
de vidro que pode cantar
ou chorar.)

Referência:

PLATH, Sylvia. I thought that I could not be hurt. In: PLATH, Aurelia Schober (Ed.). Letters home by Sylvia Plath: correspondence 1950-1963; Introduction. New York, NY: Harper & Row, 1975. p. 33-34.

terça-feira, 23 de janeiro de 2018

Bertolt Brecht - Elogio da Dialética ‎

O dramaturgo alemão reforça o poder de mudança que o povo detém, quando resolve ir de encontro à opressão imposta pelos dominadores: segundo ele, nada fica, indefinidamente, como sempre esteve, pois a impermanência heraclitiana é a regra estável que preside a realidade do mundo.

Como se vê, o poema infratranscrito é um dos muitos exemplares engajados da poesia do autor, faceta essa que se estende também às suas obras teatrais, muito voltadas a estimular a consciência política e social das massas, de forma a fazer movimentar a dialética da História: tese, antítese e síntese como nora espiralada que avança sob o influxo do agir humano.

J.A.R. – H.C.

Bertolt Brecht
(1898-1956)

Lob der Dialektik

Das Unrecht geht heute einher mit sicherem Schritt.
Die Unterdrücker richten sich ein auf zehntausend Jahre.
Die Gewalt versichert: So, wie es ist, bleibt es.
Keine Stimme ertönt außer der Stimme der Herrschenden.
Und auf den Märkten sagt die Ausbeutung laut:
Jetzt beginne ich erst.
Aber von den Unterdrückten sagen viele jetzt:
Was wir wollen, geht niemals.
Wer noch lebt, sage nicht: niemals!
Das Sichere ist nicht sicher.
So, wie es ist, bleibt es nicht.
Wenn die Herrschenden gesprochen haben,
Werden die Beherrschten sprechen.
Wer wagt zu sagen: niemals?
An wem liegt es, wenn die Unterdrückung bleibt? An uns.
An wem liegt es, wenn sie zerbrochen wird?
Ebenfalls an uns.
Wer niedergeschlagen wird, der erhebe sich!
Wer verloren ist, kämpfe!
Wer seine Lage erkannt hat, wie soll der aufzuhalten sein?
Denn die Besiegten von heute sind die Sieger von morgen,
Und aus Niemals wird: Heute noch!

O Revolucionário
(Armando Mariño: pintor cubano)

Elogio da Dialética

A injustiça passeia pelas ruas com passos seguros.
Os dominadores se estabelecem por dez mil anos.
Só a força os garante. Tudo ficará como está.
Nenhuma voz se levanta além da voz dos dominadores.
No mercado da exploração se diz em voz alta:
Agora acaba de começar!
E entre os oprimidos muitos dizem:
Não se realizará jamais o que queremos!
O que ainda vive não diga: jamais!
O seguro não é seguro. Como está não ficará.
Quando os dominadores falarem
falarão também os dominados.
Quem se atreve a dizer: jamais?
De quem depende a continuação desse domínio? De nós.
De quem depende a sua destruição? Igualmente de nós.
Os caídos que se levantem!
Os que estão perdidos que lutem!
Quem reconhece a situação como pode calar-se?
Os vencidos de agora serão os vencedores de amanhã.
E o “hoje” nascerá do “jamais”.

Referências:

Em Alemão:

BRECHT, Bertot. Lob der dialektik. In: EBRECHT, Katharina. Heiner Müllers lyrik: quellen und vorbilder. Würzburg, DE: Königshauesen & Newmann, 2001. s. 94.

Em Português:

BRECHT, Bertolt. Elogio da dialética. Tradução de Edmundo Moniz. In: __________. Antologia poética. Seleção e tradução de Edmundo Moniz. 2. ed. Rio de Janeiro, RJ: Elo Editora, 1982. p. 71.