Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sábado, 13 de maio de 2017

Augusto de Campos - Soneterapia

O autor em epígrafe, além de renomado tradutor, é também, como o seu falecido irmão Haroldo de Campos, um grande poeta. O poema abaixo é um bom exemplar de sua verve criativa, a começar pelo arranjo do título, direcionado ao tratamento curativo de todos os males da alma mediante a configuração tradicional do soneto, por ele perfilhado com toda a liberdade e inventividade do pendor concretista.

Aliás, Augusto de Campos é também uma grande reserva ética, neste país tão carente desse mister. Veja-se como ele se posicionou ante as manifestações acintosas do também poeta Ferreira Gullar – recentemente falecido –, em relação às suas orientações políticas, muito distintas das veiculadas pela velhacaria da ABL, onde subsistem figuras como Fernando Henrique Cardoso e Merval Pereira, que fariam Machado de Assis revirar no túmulo (extraído do site da FSP):

Para piorar, o Acadêmico Ferreira Gullar acena-me com um prêmio de R$ 300 mil da Academia Brasileira de Letras, que eu deixaria de levar, apesar do seu “placet”, por ter criticado a entidade. Ora, somos mesmo pessoas completamente diferentes. Como somos poetas diferentes. Isso, sim, é um insulto. Jamais aceitaria qualquer prêmio, de que valor fosse, vindo dessa instituição, que considero inútil, caduca e até nociva, pelo mau exemplo que dá a cultura brasileira, acolhendo gente que nada tem a ver com literatura – velhos políticos, governantes, empresários e jornalistas conservadores – uma confraria de mediocridades que se chamam despudoradamente de “imortais”, envergando fardões, espadas, colares e medalhas. Com raríssimas exceções.
Nego-lhes autoridade para conferir prêmios e prebendas. E encerro com as palavras de um poema instrutivo e fácil de entender: NÃO ME VENDO / NÃO SE VENDA / NÃO SE VENDE.

J.A.R. – H.C.

Augusto de Campos
(n. 1931)

Soneterapia

“desta vez acabo a obra” (*)
gregório de matos

drummond perdeu a pedra: é drummundano
joão cabral entrou pra academia
custou mas descobriram que caetano
era o poeta (como eu já dizia )

o concretismo é frio e desumano
dizem todos (tirando uma fatia)
e enquanto nós entramos pelo cano
os humanos entregam a poesia

na geleia geral da nossa história
sousândrade kilkerry oswald vaiados (**)
estão comendo as pedras da vitória

quem não se comunica dá a dica:
tó pra vocês chupins desmemoriados
só o incomunicável comunica

A Ascensão do Espírito
(Vladimir Kush: artista russo)

Notas:

(*) Primeiro verso da “Dedicatória Extravagante que o Poeta Faz Destas Obras ao Mesmo Governador Satirizado”, de Gregório de Matos Guerra;

(**) Joaquim de Sousândrade (1833/1902), poeta romântico, autor de “O Guesa, Pedro Kilkerry (1885/1917), poeta simbolista baiano e Oswald de Andrade são autores divulgados e revistos criticamente pelos concretistas, após longo silêncio e esquecimento sobre suas obras. (Obs.: nota originária dos organizadores da obra mencionada no campo de referência).

Referência:

CAMPOS, Augusto de. Soneterapia. In: SIMON, Iumna Maria; DANTAS, Vinicius de Ávila (Seleção, notas, estudos e exercícios). Poesia concreta. São Paulo, SP: Abril Educação, 1982. p. 93. ‎‎(“Literatura Comentada”)

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