Alpes Literários

Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quinta-feira, 30 de junho de 2016

Affonso Ávila - Pobre velha música

Este poema de Ávila possui título similar a um outro de Fernando Pessoa, em “Cancioneiro”. Pouco importa: se Pessoa afirma que o poeta é um fingidor, Ávila vai mais longe, pois o vê como um plagiário!

No transcorrer do tempo, todavia, vem declinando a importância dos vates, por mais visionários que eles sejam: se antes a atenção que lhes dispensavam era honrosa, hoje o que restou são tediosos bocejos às suas palavras...

J.A.R. – H.C.

Affonso Ávila
(1928-2012)

Pobre velha música

O poeta falava e as pessoas o ouviam atentamente

O poeta falava e as pessoas costumavam ouvi-lo atentamente

O poeta falava e as pessoas costumavam ouvi-lo com alguma atenção

O poeta falava e as pessoas às vezes o ouviam com alguma atenção

O poeta falava e algumas pessoas o ouviam com alguma atenção

O poeta falava mas raras pessoas o ouviam com alguma atenção

O poeta falava e as pessoas o ouviam sem atenção

O poeta falava e as pessoas já não o ouviam

O poeta falava e as pessoas já o olhavam sem ouvir

O poeta mal fala e as pessoas já abrem a boca em fastio

A ATITUDE DIANTE DO POETA É O BOCEJO

O Poeta
(Roger de La Fresnaye: pintor francês)

Referência:

ÁVILA, Affonso. Pobre velha música. In: PINTO, José Nêumanne (Seleção). Os cem melhores poetas brasileiros do século. Textos introdutórios e notas biobibliográficas de Rinaldo de Fernandes. Pesquisa, revisão dos poemas e coordenação de direitos autorais de Sandra Moura. Ilustrações de Tide Hellmeister. 2. ed. São Paulo, SP: Geração Editorial, 2004. p. 177-178.

quarta-feira, 29 de junho de 2016

Allen Ginsberg - Fyodor

Ginsberg recorda, neste pequeno poema, o quanto a soturna literatura de Dostoiévski o assombrava, num momento em que pouco o lera: em sua cabeça de guri, quantas premonições assomaram, mercê da notoriedade que cerca o nome do russo.

No momento em que redige o poema, já muito mais íntimo da obra daquele autor, ousa chamá-lo apenas por “Dusty”, que em inglês significa “empoeirado”, como se sobre os seus escritos já houvesse se precipitado o fardo do tempo.

J.A.R. – H.C.

Allen Ginsberg
(1926-1997)

Fyodor

The death’s head of realism
and superhuman iron mask
that gapes out of The Possessed, (*)
sometimes: Dostoievski.
My original version of D.
before I read him, as the dark
haunted-house man, wild, aged,
spectral Russian. I call him
Dusty now but he is
Dostoyevsky. What premonitions
I had as a child.

Paterson, June 1949

Retrato de Dostoyevsky
(Vasily Perov: pintor russo)

Fyodor

O cabeça do realismo da morte
e a máscara de ferro sobre-humana
que, algumas vezes, se escancara
em Os Possessos: Dostoievski.
Assim era a minha versão original de D.
antes de eu lê-lo, como o homem
da soturna casa-assombrada, indômito, alquebrado,
espectral Russo. Eu agora o chamo
Dusty, mas ele de fato é
Dostoyevsky. Quantas premonições
eu tive quando criança.

Paterson, Junho 1949

Nota:

(*) Trata-se do romance “Os Possessos”, que, em tradução mais recente de Paulo Bezerra para a Editora 34, recebeu o título de “Os Demônios”.

Referência:

GINSBERG, Allen. Fyodor. In: __________. Collected poems: 1947-1985. 2nd. ed. London, EN: Penguin Books, 1995. p. 32.

terça-feira, 28 de junho de 2016

Jascha Kessler - Uma Natureza-Morta

Como se fosse o descritivo de uma tela, uma natureza-morta, Kessler, poeta e professor norte-americano, retrata neste poema situações que poderiam ocorrer no curso do relacionamento com sua amada, estando ambos separados por suas respectivas rotinas.

Ela, em casa, parando em frente ao espelho e tocando os lábios. Antes, comprara frutas e as colocara sobre a mesa, para que ambos as contemplassem, até o completo amadurecimento. Mais tarde, no transcorrer da noite regada a vinho, imagina uma profusão de palavras transformadoras, sem que jamais tenham deixado de retornar às suas próprias origens...

J.A.R. – H.C.

Jascha Kessler
(n. 1929)

A Still Life

There was a feeling, I know,
as if you had bought some fruit
and put it on the table
where we could watch it ripen:
apples, pears, and oranges,
figs and a few bananas −
the hearts of sweetness, and flies.

Suppose I had not come home,
suppose you’d forgotten me,
or grown tired of this page
as the light began to fade?
I see you closing windows,
or pausing at the mirror −
I see you touching your lips.

It is here, you whispered, here
and nowhere else that it was;
like the music of traffic
in our terrible city
it must be known to be heard −
and yet nothing is harder
than to listen to one’s self.

There is the wine in the glass,
and the long evening drinks it;
there were words we waited for,
and they changed us like our lives;
but the night needs only night −
so that, being what we are,
we turn to our beginnings.

Natureza-morta com maçãs,
uvas, pêssegos e pera
(Robert S. Dunning: pintor norte-americano)

Uma Natureza-Morta

Havia uma intuição, estou a par,
como se você tivesse comprado algumas frutas
e as colocado sobre a mesa
onde nós poderíamos vê-las amadurecer:
maçãs, peras e laranjas,
figos e umas tantas bananas –
os corações edulcorados, e moscas.

Suponha que eu não tenha retornado para casa,
suponha que você houvesse me esquecido
ou ficado cansada desta página,
como a luz começou a desvanecer-se?
Vejo você fechando as janelas,
ou parando frente ao espelho –
contemplo você tocando os próprios lábios.

É aqui, você sussurrou, aqui
e em nenhuma outro lugar;
tal como a música do tráfego
em nossa terrível cidade,
que deve ser conhecida para ser ouvida –
e no entanto nada é mais difícil
do que ouvir a si mesmo.

Há o vinho no cálice,
e a longa noite o sorve;
palavras havia pelas quais nós esperávamos;
e elas nos mudaram como a nossas vidas;
porém a noite carece apenas da noite –
de modo que, sendo o que somos,
retornamos às nossas origens.

Referência:

KESSLER, Jascha. A still life. In: THOMAS, Harry; LAVINE, Steven (Eds.). The hopwood anthology: five decades of american poetry. Ann Arbor (MI): University of Michigan Press, 1981. p. 84.

segunda-feira, 27 de junho de 2016

Christina Rossetti - Remember

Poetisa inglesa de origem italiana, Rossetti, em tom sóbrio e sem valer-se de metáforas ou alusões – afinal, percebe-se que apenas a anáforas recorre –, dirige-se ao seu amado para que este reflita sobre um momento futuro, no qual ela já terá partido.

Decerto, Rossetti ainda não apaziguou seu espírito ante a possibilidade de que o seu amado venha a esquecê-la, mesmo que, ao final do poema, conflitante e ironicamente, haja expressado o desejo de que ele seja feliz, navegando no mais absoluto olvido – ora vejamos – em relação a ela...

J.A.R. – H.C.

Christina Rossetti
(1830-1894)

Remember

Remember me when I am gone away,
Gone far away into the silent land;
When you can no more hold me by the hand,
Nor I half turn to go yet turning stay.

Remember me when no more day by day
You tell me of our future that you planned:
Only remember me; you understand
It will be late to counsel then or pray.

Yet if you should forget me for a while
And afterwards remember, do not grieve:
For if the darkness and corruption leave

A vestige of the thoughts that once I had,
Better by far you should forget and smile
Than that you should remember and be sad.

Retorno
(Ruth Weisberg: pintora norte-americana)

Remember

Recorda-te de mim quando eu embora
For para o chão silente e desolado;
Quando não te tiver mais ao meu lado
E sombra vã chorar por quem me chora.

Quando não mais puderes, hora a hora,
Falar-me no futuro que hás sonhado,
Ah de mim te recorda e do passado,
Delícia do presente por agora.

No entanto, se algum dia me olvidares
E depois te lembrares novamente,
Não chores: que se em meio aos meus pesares

Um resto houver do afeto que em mim viste,
– Melhor é me esqueceres, mas contente,
Que me lembrares e ficares triste.

Referências:

Em Inglês

ROSSETTI, Christina. In: __________. Selected poems of Christina Rossetti. Introduction and notes by Katharine McGowran. London, EN: Wordsworth Editions Limited, 2001. p. 87. (“Wordsworth Poetry Library”)

Em Português

ROSSETTI, Christina. Remember. Tradução de Manuel Bandeira. In: BANDEIRA, Manuel. Poemas traduzidos. 3. ed. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora, 1956. p. 144. (Coleção “Rubáiyát”).

domingo, 26 de junho de 2016

Cesário Verde - O Sentimento dum Ocidental

Cesário Verde é reputado como um dos grandes nomes da poesia lírica portuguesa, mesmo havendo vivido tão pouco: ele tinha apenas 31 anos quando faleceu em razão da tuberculose que contraíra, deixando, além de seus pontos comerciais, um total de quarenta poemas dispersos.

Sobre o longo poema que ora selecionamos, Anna M. Klobucka, pertencente ao Departamento de Português da Universidade de Massachusetts, Dartmouth, sumaria com muita propriedade o que nele se esboça:

“O poeta é um retardatário. Ele se demora nas ruas de Lisboa, ao entardecer e através da noite. Ao mesmo tempo, sem rumo e cheio de propósitos, caminha até a margem do rio e volta-se para as vitrines iluminadas do distrito comercial. Ele entra e sai de vielas, tabernas e lojas de departamento. Esquadrinha imagens, sons, cheiros, e insights; tece metáforas enérgicas diante dos olhos de seus leitores. E em seu movimento constante e imprevisível, permanece precariamente equilibrado no limite: no limite da Europa (abandonado em sua periferia ocidental, longe do “Madrid, Paris, Berlim, São Petersburgo, o mundo!”); no limite do tempo, examinando o passado e o futuro de seu país do ponto de vista de um presente instável; e à beira de colapso físico e nervoso, enquanto a beleza, a perfeição e a imortalidade acenam para ele sedutoramente, apenas para ir-se além” (KLOBUCKA, 2011, p. 7).

J.A.R. – H.C.

Cesário Verde
(1855-1886)

O Sentimento dum Ocidental

A Guerra Junqueiro

I

Ave-Marias

Nas nossas ruas, ao anoitecer,
Há tal soturnidade, há tal melancolia,
Que as sombras, o bulício, o Tejo, a maresia
Despertam-me um desejo absurdo de sofrer.

O céu parece baixo e de neblina,
O gás extravasado enjoa-me, perturba;
E os edifícios, com as chaminés, e a turba
Toldam-se duma cor monótona e londrina.

Batem carros de aluguel, ao fundo,
Levando à via férrea os que se vão. Felizes!
Ocorrem-me em revista exposições, países:
Madrid, Paris, Berlim, S. Petersburgo, o mundo!

Semelham-se a gaiolas, com viveiros,
As edificações somente emadeiradas:
Como morcegos, ao cair das badaladas,
Saltam de viga em viga os mestres carpinteiros.

Voltam os calafates, aos magotes,
De jaquetão ao ombro, enfarruscados, secos;
Embrenho-me, a cismar, por boqueirões, por becos,
Ou erro pelos cais a que se atracam botes.

E evoco, então, as crônicas navais:
Mouros, baixéis, heróis, tudo ressuscitado!
Luta Camões no Sul, salvando um livro a nado!
Singram soberbas naus que eu não verei jamais!

E o fim da tarde inspira-me; e incomoda!
De um couraçado inglês vogam os escaleres;
E em terra num tinir de louças e talheres
Flamejam, ao jantar alguns hotéis da moda.

Num trem de praça arengam dois dentistas;
Um trôpego arlequim braceja numas andas;
Os querubins do lar flutuam nas varandas;
Às portas, em cabelo, enfadam-se os lojistas!

Vazam-se os arsenais e as oficinas;
Reluz, viscoso, o rio; apressam-se as obreiras;
E num cardume negro, hercúleas, galhofeiras,
Correndo com firmeza, assomam as varinas.

Vêm sacudindo as ancas opulentas!
Seus troncos varonis recordam-me pilastras;
E algumas, à cabeça, embalam nas canastras
Os filhos que depois naufragam nas tormentas.

Descalças! Nas descargas de carvão,
Desde manhã à noite, a bordo das fragatas;
E apinham-se num bairro aonde miam gatas,
E o peixe podre gera os focos de infecção!


II

Noite Fechada

Toca-se às grades, nas cadeias. Som
Que mortifica e deixa umas loucuras mansas!
O Aljube, em que hoje estão velhinhas e crianças,
Bem raramente encerra uma mulher de “dom”!

E eu desconfio, até, de um aneurisma
Tão mórbido me sinto, ao acender das luzes;
À vista das prisões, da velha Sé, das cruzes,
Chora-me o coração que se enche e que se abisma.

A espaços, iluminam-se os andares,
E as tascas, os cafés, as tendas, os estancos
Alastram em lençol os seus reflexos brancos;
E a Lua lembra o circo e os jogos malabares.

Duas igrejas, num saudoso largo,
Lançam a nódoa negra e fúnebre do clero:
Nelas esfumo um ermo inquisidor severo,
Assim que pela História eu me aventuro e alargo.

Na parte que abateu no terremoto,
Muram-me as construções rectas, iguais, crescidas;
Afrontam-me, no resto, as íngremes subidas,
E os sinos dum tanger monástico e devoto.

Mas, num recinto público e vulgar,
Com bancos de namoro e exíguas pimenteiras,
Brônzeo, monumental, de proporções guerreiras,
Um épico doutrora ascende, num pilar!

E eu sonho o Cólera, imagino a Febre,
Nesta acumulação de corpos enfezados;
Sombrios e espectrais recolhem os soldados;
Inflama-se um palácio em face de um casebre.

Partem patrulhas de cavalaria
Dos arcos dos quartéis que foram já conventos:
Idade Média! A pé, outras, a passos lentos,
Derramam-se por toda a capital, que esfria.

Triste cidade! Eu temo que me avives
Uma paixão defunta! Aos lampiões distantes,
Enlutam-me, alvejando, as tuas elegantes,
Curvadas a sorrir às montras dos ourives.

E mais: as costureiras, as floristas
Descem dos magazines, causam-me sobressaltos;
Custa-lhes a elevar os seus pescoços altos
E muitas delas são comparsas ou coristas.

E eu, de luneta de uma lente só,
Eu acho sempre assunto a quadros revoltados:
Entro na brasserie; às mesas de emigrados,
Ao riso e à crua luz joga-se o dominó.


III

Ao Gás

E saio. A noite pesa, esmaga. Nos
Passeios de lajedo arrastam-se as impuras.
Ó moles hospitais! Sai das embocaduras
Um sopro que arrepia os ombros quase nus.

Cercam-me as lojas, tépidas. Eu penso
Ver círios laterais, ver filas de capelas,
Com santos e fiéis, andores, ramos, velas,
Em uma catedral de um comprimento imenso.

As burguesinhas do Catolicismo
Resvalam pelo chão minado pelos canos;
E lembram-me, ao chorar doente dos pianos,
As freiras que os jejuns matavam de histerismo.

Num cuteleiro, de avental, ao torno,
Um forjador maneja um malho, rubramente;
E de uma padaria exala-se, inda quente,
Um cheiro salutar e honesto a pão no forno.

E eu que medito um livro que exacerbe,
Quisera que o real e a análise mo dessem;
Casas de confecções e modas resplandecem;
Pelas vitrines olha um ratoneiro imberbe.

Longas descidas! Não poder pintar
Com versos magistrais, salubres e sinceros,
A esguia difusão dos vossos revérberos,
E a vossa palidez romântica e lunar!

Que grande cobra, a lúbrica pessoa,
Que espartilhada escolhe uns xales com debuxo!
Sua excelência atrai, magnética, entre luxo,
Que ao longo dos balcões de mogno se amontoa.

E aquela velha, de bandós! Por vezes,
A sua traine imita um leque antigo, aberto,
Nas barras verticais, a duas tintas. Perto,
Escarvam, à vitória, os seus meclemburgueses.

Desdobram-se tecidos estrangeiros;
Plantas ornamentais secam nos mostradores;
Flocos de pós-de-arroz pairam sufocadores,
E em nuvens de cetins requebram-se os caixeiros.

Mas tudo cansa! Apagam-se nas frentes
Os candelabros, como estrelas, pouco a pouco;
Da solidão regouga um cauteleiro rouco;
Tornam-se mausoléus as armações fulgentes.

“Dó da miséria!... Compaixão de mim!...”
E, nas esquinas, calvo, eterno, sem repouso,
Pede-me esmola um homenzinho idoso,
Meu velho professor nas aulas de Latim!


III

Horas Mortas

O tecto fundo de oxigênio, de ar,
Estende-se ao comprido, ao meio das trapeiras;
Vêm lágrimas de luz dos astros com olheiras,
Enleva-me a quimera azul de transmigrar.

Por baixo, que portões! Que arruamentos!
Um parafuso cai nas lajes, às escuras:
Colocam-se taipais, rangem as fechaduras,
E os olhos dum caleche espantam-me, sangrentos.

E eu sigo, como as linhas de uma pauta
A dupla correnteza augusta das fachadas;
Pois sobem, no silêncio, infaustas e trinadas,
As notas pastoris de uma longínqua flauta.

Se eu não morresse, nunca! E eternamente
Buscasse e conseguisse a perfeição das cousas!
Esqueço-me a prever castíssimas esposas,
Que aninhem em mansões de vidro transparente!

Ó nossos filhos! Que de sonhos ágeis,
Pousando, vos trarão a nitidez às vidas!
Eu quero as vossas mães e irmãs estremecidas,
Numas habitações translúcidas e frágeis.

Ah! Como a raça ruiva do porvir,
E as frotas dos avós, e os nômades ardentes,
Nós vamos explorar todos os continentes
E pelas vastidões aquáticas seguir!

Mas se vivemos, os emparedados,
Sem árvores, no vale escuro das muralhas!...
Julgo avistar, na treva, as folhas das navalhas
E os gritos de socorro ouvir, estrangulados.

E nestes nebulosos corredores
Nauseiam-me, surgindo, os ventres das tabernas;
Na volta, com saudade, e aos bordos sobre as pernas,
Cantam, de braço dado, uns tristes bebedores.

Eu não receio, todavia, os roubos;
Afastam-se, a distância, os dúbios caminhantes;
E sujos, sem ladrar, ósseos, febris, errantes,
Amareladamente, os cães parecem lobos.

E os guardas, que revistam as escadas,
Caminham de lanterna e servem de chaveiros;
Por cima, as imorais, nos seus roupões ligeiros,
Tossem, fumando sobre a pedra das sacadas.

E, enorme, nesta massa irregular
De prédios sepulcrais, com dimensões de montes,
A Dor humana busca os amplos horizontes,
E tem marés, de fel, como um sinistro mar!

Lisboa
(Almeida Coval: pintor português)

Referências:

KLOBUCKA, Anna M. Preface. In: VERDE, Cesário. The feeling of a western / O sentimento dum ocidental. A bilingual edition. Edition by Victor K. Mendes. Translated from the portuguese by Richard Zenith. Dartmouth, MA: University of Massachusetts Dartmouth, 2011. Disponível neste endereço. Acesso em: 27 abr. 2016.

VERDE, Cesário. O sentimento dum ocidental. In: MILLIET, Sérgio (Seleção e notas). Obras-primas da poesia universal. 3. ed. São Paulo, SP: Livraria Martins Editora, 1957. p. 161-167.