Alpes Literários

Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

segunda-feira, 30 de novembro de 2015

Robert Bringhurst - Ensaio sobre Adão

Temos aqui um gracioso poema do poeta e designer norte-americano Robert Bringhurst. Ele levanta hipóteses sobre o que teria ocorrido a Adão no momento de criação do mundo.

Ao final, chega a uma conclusão insólita: não teria sido Deus que criou o homem sobre a Terra, mas aqui ele se instalou ou bem por que “saltou” para o Éden ou bem foi empurrado até lá.

E tal desfecho tem o condão de levantar a questão teológica fundamental: o demônio age sobre o homem de fora para dentro ou de dentro para fora?

J.A.R. – H.C.

Robert Bringhurst
(n. 1946)

Essay on Adam

There are five possibilities. One: Adam fell.
Two: he was pushed. Three: he jumped. Four:
he only looked over the edge, and one look silenced him.
Five: nothing worth mentioning happened to Adam.

The first, that he fell, is too simple. The fourth,
fear, we have tried and found useless. The fifth,
nothing happened, is dull. The choice is between:
he jumped or was pushed. And the difference between these

is only an issue of whether the demons
work from the inside out or from the outside
in: the one
theological question.

Criação de Adão
(E. Thor Carlson: pintor norte-americano)

Ensaio sobre Adão

Há cinco possibilidades. Primeira: Adão caiu.
Segunda: foi empurrado. Terceira: saltou. Quarta:
ao debruçar-se sobre o parapeito, perdeu o equilíbrio.
Quinta: nada digno de nota aconteceu a Adão.

A primeira, de que caiu, é primária demais. A quarta,
medo, foi examinada e revelou-se inútil. A quinta,
de que nada aconteceu, não interessa. A solução é a alternativa:
saltou ou foi empurrado. E a diferença está apenas

na questão de saber se o demônio
age de dentro para fora ou de fora para
dentro: aí está
o verdadeiro problema teológico.

Referência:

BRINGHURST, Robert. Essay on Adam / Ensaio sobre Adão. Tradução de João Cabral de Melo Neto. In: KEYS, Kerry Shawn. Quingumbo: new north american poetry / nova poesia norte-americana. Antologia bilíngue. São Paulo, SP: Escrita, 1980. Em inglês: p. 282; em português: p. 283.

domingo, 29 de novembro de 2015

Neil Harding McAlister - Esteja consciente do momento

O autor deste poema, o canadense N. H. McAlister, embora venha da área científica – nomeadamente da Medicina –, adora as artes, mais propriamente, a música e a poesia rimada e com métrica, um de seus diletos hobbies (McALISTER, 2005, p. 151).

Abaixo, o leitor poderá apreciar um de seus poemas, por meio do qual fornece conselhos para que estejamos conscientes de cada momento que vivemos. E se há diferenças entre o “estar consciente” e o “ser consciente”, deixamos a cargo do executivo Ricardo Porto, neste artigo, deslindá-las.

J.A.R. – H.C.

Neil Harding McAlister

Be mindful of the moment

The here and now is all we hold through times of joy and sorrow.
We may watch fulsome years unfold – or may not see tomorrow.
Be mindful of the moment. Pay attention to each one.
The past has fled beyond our grasp, the future’s yet to come.

There is no way to measure what ensuing days might bring,
So seize the utmost pleasure found in every daily thing.
The road of life is far too short: no need to travel fast.
Investigate the wonders that lie strewn along the path.

The tender leaves on springtime trees, rough pebbles on the ground,
The snowflakes drifting on the breeze that fall without a sound,
Are all unique and precious, if we take the time to see.
No two have been identical in all eternity.

Is this not true of people too? Be mindful, then, of each.
Both strangers and those close to you have useful things to teach.
The two of us part richer if we pass the time of day,
And don’t just brush each other off, then hurry on our way.

Preoccupied by urgent schemes of business, love or power,
By gambling on our future dreams, we lose the present hour.
A life is forged of moments linked together like a chain.
Live each in full – for down this road we shall not pass again.
  
Musa do Despertar Consciente
(Martina Hoffmann: artista alemã)

Esteja consciente do momento

O aqui e o agora é tudo o que temos por meio de momentos alegres e tristes.
Podemos ver anos a fio se desenrolarem – ou não presenciar o amanhã.
Esteja consciente do momento. Preste atenção a cada um deles.
O passado fugiu para longe de nosso alcance, e o futuro ainda está por vir.

Não há modo de mensurar o que os dias subsequentes poderiam trazer,
Então aproveite o máximo prazer que se encontra em cada coisa diária.
A estrada da vida é demasiado curta: não há necessidade de viajar rápido.
Investigue as maravilhas que se encontram espalhadas ao longo do caminho.

As tenras folhas das árvores na primavera, os seixos ásperos no solo,
Os flocos de neve à deriva na brisa, caindo sem fazer ruído,
São coisas únicas e preciosas, se nos concedermos tempo para vê-las.
Jamais houve duas coisas idênticas em toda a eternidade.

Isso também não é verdade quanto às pessoas? Esteja, pois, atento a cada uma.
Tanto estranhos quanto pessoas próximas têm coisas úteis para lhe ensinar.
As duas partes de nós mais ricas se passarmos o tempo em companhia,
E não apenas afugentando uma à outra, logo se apresse no nosso caminho.

Preocupados com urgentes esquemas de negócios, amor ou poder,
Por apostas em nossos sonhos futuros, desperdiçamos a presente hora.
Uma vida se forja de momentos unidos entre si como uma cadeia.
Viva cada momento na íntegra – por esta estrada de novo não passaremos.

Referência:

McALISTER, Neil Harding. Be mindful of the moment. In: __________ (ed.). New classic poems: contemporary verse that rhymes. Illustrated by Jonathan Day. Ontario, CA: Published by Neil Harding  McAlister, 2005. p. 20.

sábado, 28 de novembro de 2015

Cruz e Sousa - Supremo Verbo

Sempre com aquela linguagem musical, recheada de imagens sugestivas e misteriosas, este poema, do poeta Cruz e Sousa – figura maior do Simbolismo brasileiro –, tem por tema um hipotético encontro do poeta com a mãe-natureza.

É ela que lhe repassa o potente “cálice sacrossanto”, capaz de lhe abrir outras tantas portas de acesso a mundos nunca dantes percorridos. Mundos que o poeta retrata em seus textos, para o deleite de seus pares, ou melhor, aficionados leitores.

J.A.R. – H.C.

Cruz e Sousa
(1861-1898)

Supremo Verbo

– Vai, Peregrino do caminho santo,
Faz da tu’alma lâmpada do cego,
Iluminando, pego sobre pego,
As invisíveis amplidões do Pranto.

Ei-lo, do Amor o cálix sacrossanto!
Bebe-o, feliz, nas tuas mãos o entrego…
És o filho leal, que eu não renego,
Que defendo nas dobras do meu manto.

Assim ao Poeta a Natureza fala!
Enquanto ele estremece ao escutá-la,
Transfigurado de emoção, sorrindo…

Sorrindo a céus que vão se desvendando,
A mundos que vão se multiplicando,
A portas de ouro que vão se abrindo!

Em: “Últimos sonetos”, 1905.

A Generosidade de Alexandre
(Jerome-Martin Langlois: pintor francês)

Referência:

SOUSA, Cruz e. Supremo verbo. In: __________. Obra completa. v. I. Poesia. Organização e estudo de Lauro Junkes. Jaraguá do Sul, SC: Avenida, 2008. p. 530. Disponível neste endereço.

sexta-feira, 27 de novembro de 2015

Ferlinghetti - Nas melhores cenas de Goya parece que vemos

Nesta postagem, temos um poema em que o seu autor – o poeta, editor e pintor Lawrence Ferlinghetti – relembra a influente crítica do artista espanhol Francisco de Goya à guerra e, em conexão com a sua terra natal, os EUA, o poder de multiplicação de mitos e de destruição da sociedade norte-americana.

São dilemas de duas sociedades distintas: a primeira, a espanhola, da qual as obras de Goya ilustram a ausência de sentimentos de compaixão. Outra, a norte-americana, em que o calor humano e a proximidade pelo contato são manifestações cada vez mais raras.

J.A.R. – H.C.

Lawrence Ferlinghetti
(n. 1919)

In Goya’s greatest scenes we seem to see

In Goya’s greatest scenes we seem to see
the people of the world  
exactly at the moment when
they first attained the title of
‘suffering humanity’  
They writhe upon the page
in a veritable rage
of adversity  
Heaped up
groaning with babies and bayonets
under cement skies  
in an abstract landscape of blasted trees
bent statues bats wings and beaks
slippery gibbets
cadavers and carnivorous cocks
and all the final hollering monsters
of the
‘imagination of disaster’
they are so bloody real
it is as if they really still existed

And they do
Only the landscape is changed

They still are ranged along the roads  
plagued by legionnaires
false windmills and demented roosters

They are the same people
only further from home
on freeways fifty lanes wide
on a concrete continent
spaced with bland billboards  
illustrating imbecile illusions of happiness
The scene shows fewer tumbrils
but more strung-out citizens
in painted cars
and they have strange license plates  
and engines
that devour America

Saturno devorando um filho
(Francisco de Goya: pintor espanhol)

Nas melhores cenas de Goya parece que vemos

Nas melhores cenas de Goya parece que vemos
as pessoas do mundo
no exato momento em que
pela primeira vez elas ganharam o título
de ‘humanidade sofredora’
Tais pessoas se contorcem na página
num verdadeiro acesso
de adversidade
Amontoadas
gemendo com bebês e baionetas
sob um céu de cimento
pela paisagem abstrata de árvores bombardeadas
estátuas decaídas asas bicos de morcegos
patíbulos escorregadios
cadáveres galos carnívoros
monstros finais berrantes todos
da
‘imaginação do desastre’
tão danados de reais
que até parece que ainda existem

E existem mesmo
Só mudou a paisagem

Todos continuam em fila nas estradas que estão
infestadas de legionários
falsos moinhos de vento e grandes galos dementes

E são aquelas mesmas pessoas
apenas mais distantes de casa
e em estradonas de cinquenta pistas
num continente de concreto
demarcado por pencas de cartazes
que ilustram ilusões imbecis de felicidade
A cena mostra menos carretas para a forca
mas muito mais cidadãos mutilados
em carros pintados
que têm placas estranhonas
e motores
que devoram a América

Referências:

FERLINGHETTI, Lawrence. In Goya’s greatest scenes we seem to see. In: HOOVER, Paul (Ed.). A postmodern american poetry: a norton anthology. New York, NY: W. W. Norton & Company Inc., 1994. p. 43-44.

FERLINGHETTI, Lawrence. In Goya’s greatest scenes we seem to see / Nas melhores cenas de Goya parece que vemos. Tradução de Leonardo Fróes. In: __________. um parque de diversões da cabeça. Tradução de Eduardo Bueno e Leonardo Fróes. 2. ed. bilíngue. Porto Alegre, RS: L&PM, 2007. Em inglês: p. 14 e 16; em português: 15 e 17. (Coleção ‘L&PM Pocket’; v. 661)

quinta-feira, 26 de novembro de 2015

Moacyr Félix - Quia Absurdum Est

O poeta acha absurdo ainda falarmos de amor, quando deixamos de nos compadecer com o medo, a fome e o sofrimento alheios. Para ele, qualquer coisa não factível seria mais assimilável, digamos assim, pela sociedade, do que a resolução de problemas ao alcance de todos.

O poema retrata a situação de milhares de crianças que foram parar na rua, ao relento, como rebentos não planejados de uma sociedade desigual, sitiada em seu afã de acumular e usufruir bens materiais, sem quaisquer apelos a pautas de compartilhamento.

J.A.R. – H.C.

Moacyr Félix
(1925-2006)

Quia Absurdum Est

A Roland Corbisier

O gato comeu a gaiola.
Isto não pode ser verdade, eu sei,
assim como não se fotografa uma dor maluca
por ser outra coisa e não ser dor.
E isto todo o mundo entende, ou pensa que entende.
O importante é que o gato comeu a gaiola e o absurdo
que se concretiza ainda maior quando compramos
uma garrafa de uísque a poucos metros da noite
em que as crianças deixam de ser crianças e são comidas
lentamente pelo sofrimento e pelo medo e pela fome.

O gato comer a gaiola não me causa espanto.
O que me espanta é falarmos ainda de amor.

Seis gatos brincando
com uma gaiola de pássaro
(Cornelis Raaphorst: pintor holandês)

Referência:

FÉLIX, Moacyr. Quia absurdum est. In: __________. Um poeta na cidade e no tempo. Rio de Janeiro, RJ: Civilização Brasileira, 1966. p. 47. (Coleção ‘Poesia Hoje’; Direção de Moacyr Félix; Série ‘Poetas Brasileiros’; v. 6)
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quarta-feira, 25 de novembro de 2015

Robert Duncan - Poesia, uma coisa natural

Robert Duncan, poeta muito ligado à denominada “Nova Poesia Americana”, teoriza neste poema sobre a própria forma em que se processa o fenômeno poético: uma coisa bastante natural, segundo ele.

Não sem motivo, o poema está carregado de imagens oriundas da natureza – rochas, salmões, cascatas, galhadas de alce etc. –, de modo a estimular os poetas e escritores a se integrarem com ela, abandonando, assim, pretensões que sejam por demais “pesadas” e “artificiais” na produção literária.

J.A.R. – H.C.

Robert Duncan
(1919-1988)

Poetry, a natural thing

Neither our vices nor our virtues
further the poem. “They came up
and died
just like they do every year
on the rocks.”

The poem
feeds upon thought, feeling, impulse,
to breed    itself,
a spiritual urgency at the dark ladders leaping.

This beauty is an inner persistence
toward the source
striving against (within) down-rushet of the river,
a call we heard and answer
in the lateness of the world
primordial bellowings
from which the youngest world might spring,

salmon not in the well where the
hazelnut falls
but at the falls battling, inarticulate,
blindly making it.

This is one picture apt for the mind.

A second: a moose painted by Stubbs,
where last year’s extravagant antlers
lie on the ground.
The forlorn moosey-faced poem wears
new antler-buds,
the same,

“a little heavy, a little contrived”,

his only beauty to be
all moose.

(1960)

O Alce
(George Stubbs)

Poesia, uma coisa natural

Nem nossos vícios nem nossas virtudes
promovem o poema. “Eles surgem
       e morrem
tal como o fazem todos os anos
       sobre as rochas.”

       O poema
se alimenta de pensamentos, sentimentos, impulsos,
       para recriar    a si mesmo,
uma urgência espiritual capaz de transpor sombrias escadas.

Essa beleza é uma persistência interior
       em direção à fonte
pelejando contra (dentro) a correnteza do rio,
       um chamado que escutamos e respondemos
na intempestividade do mundo,
       bramidos primordiais
a partir dos quais o mundo novo poderia surgir,

não há salmões no reservatório onde
       caem as avelãs,
senão nas cascatas a batalhar, inarticulados,
       impelindo-se às cegas.

Tal imagem é apropriada para a mente.

Uma segunda: um alce retratado por Stubbs (*),
junto ao qual extravagantes galhadas do ano anterior
       jazem sobre o solo.
O solitário poema com cara de alce dispõe
       de novos rebentos de chifres,
       iguais.

“um pouco pesado, um pouco artificial”,

sua única beleza é ser
todo alce.

Nota:

(*) Trata-se do pintor inglês George Stubbs (1724-1806).

Referência:

DUNCAN, Robert. Poetry, a natural thing. In: HOOVER, Paul (Ed.). A postmodern american poetry: a norton anthology. New York, NY: W. W. Norton & Company Inc., 1994. p. 37.

terça-feira, 24 de novembro de 2015

Mário da Silva Brito - Canção do Exílio

O poeta e escritor paulista Mário Brito parodia, no carme abaixo, apenas o título do famoso poema de Gonçalves Dias. Contudo, a leitura do escrito faz-nos perceber que se trata de um exílio específico: um exílio do mundo que com o mundo das palavras confina.

Nesse reino das letras, ele impera como Deus a esculpir o barro, alocado numa gleba entre o dicionário e o verbo. Como se observa, eis aí dupla referência às escrituras bíblicas: de início, ao Gênesis, com a sua metáfora da criação do homem a partir do barro; depois, a João, pois como se afirma, no princípio era o verbo!

J.A.R. – H.C.

Mário da Silva Brito
(n. 1916)

Canção do Exílio

Com a palavra construo um reino
e nele impero sem lei.
Neste mundo, que com o mundo
confina, sou senhor e servo.

No meu reino de luz e sombra
a palavra, vinda do caos,
fulge em brilho solitário
– solitário sol sem solo.

Busco a palavra, não o senso
(certo perdeste o senso!):
sarcógafo pode ser amor
e amor quer significar morte.

Rodeado de palavras estou
– falsas palavras do mundo.
Entre o dicionário e o verbo
escolho uma gleba secreta.

Envolto de lustral amplidão,
cercado de nuvens e flores,
sou exilado e sou imperador,
sou Deus esculpindo o barro.

De: “Biografia II”

Nuvens de Flores
(Holly Friesen: artista canadense)

Referência:

BRITO, Mário da Silva. Canção do exílio. In: __________. PoeMário da Silva Brito. Rio de Janeiro, RJ: Civilização Brasileira, 1966. p. 63. (Coleção ‘Poesia Hoje’; Direção de Moacyr Félix; Série ‘Poetas Brasileiros’; v. 7)

segunda-feira, 23 de novembro de 2015

Charles Bukowski - meu velho

Uma historinha entre pai e filho, mas que não permite que se fale de maior intimidade entre esses entes familiares. Trata-se de um poema do escritor e poeta Charles Bukowski, a deixar suficientemente claro que a sua relação com o próprio pai era de distanciamento.

No fundo, temos aqui aquele velho temor dos pais de que os filhos desandem e sequer terminem o colegial. Temor que, por vezes, se transforma em excessivo protecionismo, a ponto de existirem filhos que permanecem na casa dos pais bem além do momento adequado.

J.A.R. – H.C.

Charles Bukowski
(1920-1994)

my old man

16 years old
during the depression
I’d come home drunk
and all my clothing –
shorts, shirts, stockings –
suitcase, and pages of
short stories
would be thrown out on the
front lawn and about the
street.

my mother would be
waiting behind a tree:
“Henry, Henry, don’t
go in... he’ll
kill you, he’s read
your stories...”
“I can whip his
ass...”

“Henry, please take
this... and
find yourself a room.”

but it worried him
that I might not
finish high school
so I’d be back
again.

one evening he walked in
with the pages of
one of my short stories
(which I had never submitted
to him)
and he said, “this is
a great short story.”
I said, “o.k.”,
and he handed it to me
and I read it.
it was a story about
a rich man
who had a fight with
his wife and had
gone out into the night
for a cup of coffee
and had observed
the waitress and the spoons
and forks and the
salt and pepper shakers
and the neon sign
in the window
and then had gone back
to his stable
to see and touch his
favorite horse
who then
kicked him in the head
and killed him.

somehow
the story held
meaning for him
though
when I had written it
I had no idea
of what I was
writing about.

so I told him,
“o.k., old man, you can
have it.”

and he took it
and walked out
and closed the door.
I guess that’s
as close
as we ever got.

Pai e Filho
(John Koch: pintor norte-americano)

meu velho

16 anos de idade
durante a depressão
cheguei em casa bêbado
e todas as minhas roupas –
calções, camisas, meias –
pastas, e páginas de
contos
tinham sido jogadas fora
sobre o gramado da frente e na
rua.

minha mãe estava me
esperando atrás de uma árvore:
“Henry, Henry, não
entre... ele vai
matar você, leu
suas histórias...”

“posso chutar a
bunda dele...”

“Henry, pegue isso
por favor... e
procure um quarto para você.”

mas o que o preocupava era
que eu talvez não
terminasse o colegial
então eu voltaria
outra vez.

uma noite ele entrou
com as páginas de
um dos meus contos
(que eu nunca submeti a ele)
e disse, “este é
um grande conto”.
eu disse, “o.k.”
e ele me alcançou
e eu li.
era uma história sobre
um homem rico
que teve uma briga com
sua esposa e se
foi pela noite
atrás de uma xícara de café
e ficou observando
a garçonete e as colheres
e garfos e o
sal e o pimenteiro
e o letreiro de néon
na janela
foi então que voltou
para seu estábulo
para ver e tocar seu
cavalo favorito
que
deu-lhe um coice na cabeça
e o matou.

de alguma maneira
a história em suas mãos
tinha um significado para ele
apesar
de que quando a escrevi
não tinha nenhuma ideia
a respeito do que
tratava.

então eu lhe disse,
“o.k., velho, você pode
ficar com ela”.

e ele a pegou
e caiu fora
e fechou a porta.
acho que foi
o mais próximo
que jamais estivemos.

Referências:

Em Inglês

BUKOWSKI, Charles. My old man. In: __________. Love is a dog from hell: poems, 1974-1977. Santa Barbara, CA: Black Sparrow Press, 1977. p. 292-294.

Em Português

BUKOWSKI, Charles. Meu velho. In: __________.  O amor é um cão dos diabos. Tradução de Pedro Gonzaga. Porto Alegre, RS: L&PM, 2014. p. 288-290. (Coleção ‘L&PM Pocket’, v. 888).