Alpes Literários

Alpes Literários

Subtítulo

UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sábado, 31 de outubro de 2015

Robert Browning - A Vida em um Amor

As contingências do amor e de como, a cada relação, o ser humano procura moldar-se a uma nova realidade, ou melhor, ajustar sua psique à mudança: tal é a forma de Robert Browning, poeta e dramaturgo inglês, abordar a questão afetiva, um tema que se assemelha a destino para ele.

O amor... Deve-se ser tenaz para mantê-lo, mesmo ao custo de alguns contratempos. A atração, aqui, parece não ter enfoque voltado à felicidade, senão que se associa a uma espécie de fardo a suportar. Amor para Browning não é um caminho certo para a ventura, mas uma luta cujos esforços hão de ser despendidos pari passu com o avançar do tempo.

J.A.R. – H.C.

Robert Browning
(1812 - 1889)

Life in a Love

Escape me?
Never −
Beloved!
While I am I, and you are you,
So long as the world contains us both,
Me the loving and you the loth,
While the one eludes, must the other pursue.
My life is a fault at last, I fear:
It seems too much like a fate, indeed!
Though I do my best I shall scarce succeed.
But what if I fail of my purpose here?
It is but to keep the nerves at strain,
To dry one’s eyes and laugh at a fall,
And baffled, get up to begin again, −
So the chase takes up one’s life, that’s all.
While, look but once from your farthest bound,
At me so deep in the dust and dark,
No sooner the old hope drops to ground
Than a new one, straight to the selfsame mark,
I shape me −
Ever
Removed!

Inveja e Namorico
(Haynes King: pintor inglês)

A Vida em um Amor

Foge-me?
Jamais –
Amada!
Enquanto eu for eu, e você for você,
Tão extenso quanto o mundo que a ambos nos contém,
Eu o amante e você a relutante,
Enquanto um se esquiva, deve o outro assediar.
Minha vida é um erro afinal, receio.
De fato, muito se parece com um destino!
Ainda que faça o meu melhor, alcanço escassos êxitos.
Mas se eu aqui falhar em meu propósito?
É senão para manter os nervos sob tensão,
Para secar os olhos de alguém e rir a cada baque,
E desconcertado, levantar para um novo começo –
Assim que o assédio ocupa a vida de alguém, isso é tudo.
Contudo, olhe para mim, senão uma vez mais para além de seu limite,
Tão profundamente, na poeira e na escuridão,
Mal a velha esperança cai por terra
Em um novo alguém, franco para si mesmo,
Eu me moldo –
Sempre
Apartado!

Referência:

BROWNING, Robert. Life in a love. In: __________. Poems. Classic Poetry Series. Publisher: PoemHunter.com. The World’s Poetry Archive, 2004. Disponível neste endereço. Acesso em: 14 set 2015. p. 231.

sexta-feira, 30 de outubro de 2015

Isaac Rosenberg - Nas Profundezas

Isaac Rosenberg foi um poeta inglês, de origem judaica, que morreu em combate durante a 1GM. Este seu poema talvez tenha a ver com o seu estado mental durante as lutas nas trincheiras, uma vez que faz referência a profundezas que bem podem ser subterrâneas. Aliás, o autor tem um outro poema com um título mais explicitamente ligado à guerra: “In the Trenches” (“Nas Trincheiras”).

Pelo poema de hoje, o poeta aspira a uma forma de vida menos sombria, mais feliz. Uma existência mais consentânea com a sua própria natureza que, segundo o autor, seria de uma “criatura de luz”.

J.A.R. – H.C.

Isaac Rosenberg
(1890-1918)

In the Underworld

I have lived in the underworld so long:
How can you, a creature of light,
Without terror understand the song
And unmoved hear what moves in night?

I am a spirit that yours has found,
Strange, undelightful, obscure,
Created by some other God, and bound
In terrible darkness, breathing breath impure.

Creature of light and happiness,
Deeper the darkness was when you,
With your bright terror eddying the distress,
Grazed the dark waves and shivering further flew.

Profundezas
(Jana Schirmer: artista alemã)

Nas Profundezas

Tenho vivido nas profundezas por tanto tempo:
Como pode você, uma criatura de luz,
Compreender sem terror a canção
E impassível ouvir o que se move na noite?

Sou um espírito com quem vocês têm deparado,
Estranho, nada agradável, obscuro,
Criado por algum outro Deus, e fundeado
Em trevas terríveis, inalando impuros respiros.

Criatura de luz e felicidade,
Mais profunda a escuridão era quando você,
Com o seu brilhante terror a revirar a angústia,
Tangidas as ondas sombrias, tremendo, ainda voava.

Referência:

ROSENBERG, Isaac. In the underworld. In: __________. 60 poems. Classic Poetry Series. Publisher: PoemHunter.com. The World’s Poetry Archive, 2012. Disponível neste endereço. Acesso em: 10 set 2015. p. 37.

quinta-feira, 29 de outubro de 2015

Fernando Pessoa - A Espantosa Realidade das Cousas

Vamos a um passeio por alguns dos mais expressivos versos do poeta por excelência – Fernando Pessoa: aqui aflora todo aquele poder de imaginação, de expressividade, de disposição das palavras para que se tenha um efeito sempre de excesso de sentimentos.

Ainda que Pessoa, neste poema, não se julgue poeta, tudo não passa de um acerto de contas transversal. Afinal, diz ele que apenas vê o mundo. Mas não só isso, obviamente: Pessoa tem o dom de transportar para a escala verbal muito desse fardo que parece viver e morrer intocado no coração humano, sem que saibamos ou mesmo possamos canalizá-lo para um discurso que faça sentido aos nossos pares.

J.A.R. – H.C.

Fernando Pessoa
(1888-1935)

A Espantosa Realidade das Cousas

A espantosa realidade das cousas
É a minha descoberta de todos os dias.
Cada cousa é o que é,
E é difícil explicar a alguém quanto isso me alegra,
E quanto isso me basta.

Basta existir para se ser completo.

Tenho escrito bastantes poemas.
Hei de escrever muitos mais, naturalmente.
Cada poema meu diz isto,
E todos os meus poemas são diferentes,
Porque cada cousa que há é uma maneira de dizer isto.

Às vezes ponho-me a olhar para uma pedra.
Não me ponho a pensar se ela sente.
Não me perco a chamar-lhe minha irmã.
Mas gosto dela por ela ser uma pedra,
Gosto dela porque ela não sente nada.
Gosto dela porque ela não tem parentesco nenhum comigo.

Outras vezes oiço passar o vento,
E acho que só para ouvir passar o vento vale a pena ter nascido.

Eu não sei o que é que os outros pensarão lendo isto;
Mas acho que isto deve estar bem porque o penso sem estorvo,
Nem ideia de outras pessoas a ouvir-me pensar;
Porque o penso sem pensamentos
Porque o digo como as minhas palavras o dizem.

Uma vez chamaram-me poeta materialista,
E eu admirei-me, porque não julgava
Que se me pudesse chamar qualquer cousa.
Eu nem sequer sou poeta: vejo.
Se o que escrevo tem valor, não sou eu que o tenho:
O valor está ali, nos meus versos.
Tudo isso é absolutamente independente da minha vontade.

(7-11-1915)

Criador de Realidade
(Svetoslav Stoyanov: artista búlgaro)

Referência:

PESSOA, Fernando. A espantosa realidade das cousas. In: __________. Obra poética.  8. ed. Rio de Janeiro, RJ: Nova Aguilar, 1981. p. 168-169. (Biblioteca Luso-Brasileira)

quarta-feira, 28 de outubro de 2015

Sylvia Plath - A noite dança

A energia emocional contida neste poema de Sylvia Plath é soberba, uma espécie de liberação em seu ofício. Compõe ele a obra “Ariel”, a sua última antes do suicídio em 1963, embora somente publicada dois anos depois.

Trata-se de um poema povoado por poucos vestígios associados a pessoas, desde o momento em que se inicia, endereçado a uma presumível ente amado, até a inflexão que se observa, do meio do poema para frente, quando então tudo são ponderações abstratas que talvez reflitam o estado emocional de momento de Sylvia.

A poesia é exatamente isso: um recurso para superar, ou melhor, expandir os limites da linguagem, de forma a representar uma dada experiência humana muitas vezes abstrata, outras tantas mundana, à luz de um núcleo emocional intangível, mas inteligível – ou pelo menos compreensível empaticamente.

Bem, se tal conceito de poesia seja estranho ao que seja a própria poesia, pelo menos tentei visualizá-la dentro de um padrão que desse conta das possíveis interpretações que o poema desta postagem é capaz de desencadear...

J.A.R. – H.C.

Sylvia Plath
(1932-1963)

The night dances

A smile fell in the grass.
Irretrievable!

And how will your night dances
Lose themselves. In mathematics?

Such pure leaps and spirals −
Surely they travel

The world forever, I shall not entirely
Sit emptied of beauties, the gift

Of your small breath, the drenched grass
Smell of your sleeps, lilies, lilies.

Their flesh bears no relation.
Cold folds of ego, the calla,

And the tiger, embellishing itself −
Spots, and a spread of hot petals.

The comets
Have such a space to cross,

Such coldness, forgetfulness.
So your gestures flake off −

Warm and human, then their pink light
Bleeding and peeling

Through the black amnesias of heaven.
Why am I given

These lamps, these planets
Falling like blessings, like flakes

Six sided, white
On my eyes, my lips, my hair

Touching and melting.
Nowhere.

(6 November 1962)

Noite Dançante
(Margie Pye: artista norte-americana)

A noite dança

Um sorriso caiu na relva.
Irrecuperável?

E como se perderam
Tuas danças noturnas? Em matemáticas?

Esses puros saltos e espirais –
Seguramente percorrem

O mundo para sempre, não ficarei em absoluto
Sentada e vazia de belezas, a dádiva

De teu pequeno suspiro, a grama drenada
Olor de teus sonhos, lírios e lírios.

Tua polpa não suporta nenhuma relação.
Frias dobras do ego, o copo-de-leite,

E a tigrídia engalanando-se –
Pintas e uma difusão de pétalas quentes.

Os cometas
Têm tanto espaço para atravessar,

Tanta frieza, olvido.
Assim que teus gestos se esfoliam –

Cálidos e humanos, então a tua luz rosa
Sangra e descama

Ao longo das negras amnésias do paraíso.
Por que sou eu agraciada

Com essas lâmpadas, esses planetas
Que caem como bênçãos, como copos

Hexagonais, brancos
Sobre os meus olhos, meus lábios, meu cabelo

Que se fundem ao toque.
Em parte alguma.

Referência:

PLATH, Sylvia. The night dances. In: __________. The collected poems. Edited by Ted Hughes. 4th ed. New York, NY: Harper & Row, 1981. p. 249-250.

terça-feira, 27 de outubro de 2015

António Manuel Couto Viana - O Avestruz Lírico

Este poema é um desconcerto: os poetas, não sei ao certo com quais poderes, capacitam-se a nos desorientar com as suas metáforas! E a metáfora aqui se relaciona ao mito de que o avestruz enterra a cabeça no solo quando pressente algum perigo. Pura balela: ele sai mesmo em disparada, como a maioria dos animais em idênticas situações!

Mas pouco importa: o poeta, imitando a ave, procura se esconder na própria poesia, na perspectiva de que ninguém a lê. Será mesmo? Penso que não, até pela boa audiência deste blog, que aponta pra a direção contrária (rs).

J.A.R. – H.C.

António Manuel Couto Viana
(n. 1923)

O Avestruz Lírico

Avestruz:
O sarcasmo de duas asas breves
(Ânsia frustrada de espaço e luz,
De coisas frágeis, líricas, leves);

Patas afeitas ao chão;
Voar? Até onde o pescoço dá.
Bicho sem classificação:
Nem cá, nem lá.

Isto sou (Dói-me a ironia
– Pudor nem eu sei de quê).
Daí a absurda fantasia
De me esconder na poesia,
Por crer que ninguém a lê.

Em: “O Avestruz Lírico”

Conversa de Avestruzes
(Steve Morvell: artista australiano)

Referência:

VIANA, António Manuel Couto. O avestruz lírico. In: COSTA E SILVA, Alberto da; BUENO, Alexei (orgs.). Antologia da poesia portuguesa contemporânea: um panorama. Rio de Janeiro: Lacerda, 1999.  p. 143.

segunda-feira, 26 de outubro de 2015

Henry Wadsworth Longfellow - O Som do Mar

Neste soneto, do poeta e educador norte-americano Henry W. Longfellow, vê-se o paralelismo que o autor empreende entre um fato natural, como o barulho das ondas do mar, com coisas que vão no interno de cada ser humano, como, por exemplo, a que se extrai da metáfora “o murmúrio das marés do mar da alma”.

E assim se chega às coisas sobre as quais não temos qualquer controle ou fundamentos racionais, as quais, por vezes, julgamos resultantes de nossa inspiração ou talento, mas que, de fato, passam ao largo de qualquer intervenção humana.

J.A.R. – H.C.

Henry Wadsworth Longfellow
(1807-1882)


The Sound of the Sea

The sea awoke at midnight from its sleep,
And round the pebbly beaches far and wide
I heard the first wave of the rising tide
Rush onward with uninterrupted sweep;

A voice out of the silence of the deep,
A sound mysteriously multiplied
As of a cataract from the mountain’s side,
Or roar of winds upon a wooded steep.

So comes to us at times, from the unknown
And inaccessible solitudes of being,
The rushing of the sea-tides of the soul;

And inspirations, that we deem our own,
Are some divine foreshadowing and foreseeing
Of things beyond our reason or control.

O Som do Mar
(Karl Gussow: pintor alemão)

O Som do Mar

O mar despertou à meia noite de seu sono,
E nas cercanias de distantes praias pedregosas e amplas
Escutei a primeira onda da maré crescente
Estugar adiante com ininterrupta varredura.

Uma voz desde o silêncio do abismo,
Um som misteriosamente multiplicado
A partir de uma catarata de um lado da montanha,
Ou rugido de ventos por sobre uma arborizada escarpa.

Assim vem a nós, às vezes, do desconhecido
E de solidões inacessíveis do ser,
O murmúrio das marés do mar da alma;

E inspirações, que consideramos como nossas próprias,
São alguns presságios divinos e vaticínios
De coisas para além de nossa razão ou controle.

Referência:

LONGFELLOW, Henry Wadsworth. The sound of the sea. In: SPECTRE, Peter H. (Ed.). A mariner’s miscellany: things forgotten, recalled; things known, illuminated. Dobbs Ferry, NY: Sheridan House Inc., 2005. p. 49.

domingo, 25 de outubro de 2015

Herman Melville - Monodia

Este poema de Melville, dedicado a Nathaniel Hawthorne, data aproximadamente de 1864, ano em que o autor de “Moby Dick” teve a oportunidade de visitar o túmulo do escritor de “A Letra Escarlate”.

O seu título, “Monodia”, significa o canto a uma só voz ou, ainda, o lamento pela morte de outra pessoa, precisamente o que expressa o poema de Melville. Algo como uma elegia, jeremiada, música fúnebre ou réquiem...

J.A.R. – H.C.

Herman Melville
(1819-1891)

Monody

To have known him, to have loved him
After loneness long;
And then to be estranged in life,
And neither in the wrong;
And now for death to set his seal −
Ease me, a little ease, my song!

By wintry hills his hermit-mound
The sheeted snow-drifts drape,
And houseless there the snow-bird flits
Beneath the fir-tree’s crape:
Glazed now with ice the cloistral vine
That hid the shyest grape.

Vista do cemitério de Greenwood (Brooklyn)
(Rudolf Cronau: jornalista e pintor alemão)

Monodia

Tê-lo conhecido, tê-lo amado
Depois de tanta solidão;
E então ser apartado em vida,
E sequer no erro;
E agora pela morte fixar-lhe sua estampa –
Alivia-me, um pouco de alívio, canto meu!

Junto às colinas invernais seu montículo eremita
Guarnece cândidos bancos de neve,
E sem casa o tentilhão das neves ali adeja
Sob os abetos fúnebres:
Esmaltada agora de gelo a vinha claustral
Que ocultava as mais esquivas uvas.

Referência:

MELVILLE, Herman. Monody. In: RYAN, Robert et al. (Eds.). The Writings of Herman Melville. The Northwestern-Newberry Edition. Vol. 11. Evanston, IL: Northwestern University Press, 2009. p. 276.

sábado, 24 de outubro de 2015

Euclides da Cunha - Mundos Extintos

Um poeta ainda aos vinte anos e já a sonhar com a eternidade. E se considerarmos que Euclides morreu, de fato, ainda jovem, aos 43 anos, o poema mais parece um vaticínio que se ratificaria pelo advento de seu trágico falecimento.

São esses “mundos extintos” que perduram pelo tempo incomensurável, éons a atravessar toda a história, a nos alertar que a finitude da vida humana muito pouco representa nesse moto contínuo, nesse fluxo interminável de tudo quanto existe.

J.A.R. – H.C.

Euclides da Cunha
(1866-1909)

Mundos Extintos

São tão remotas as estrelas que, apesar da
vertiginosa velocidade da luz, elas se apagam,
e continuam a brilhar durante séculos.

Morrem os mundos... Silenciosa e escura,
Eterna noite cinge-os. Mudas, frias,
Nas luminosas solidões da altura
Erguem-se, assim, necrópoles sombrias...

Mas, para nós, di-lo a ciência, além perdura
A vida, e expande as rútilas magias...
Pelos séculos em fora a luz fulgura

Traçando-lhes as órbitas vazias.
Meus ideais! extinta claridade –
Mortos, rompeis, fantásticos e insanos
Da minh’alma a revolta imensidade...

E sois ainda todos os enganos
E toda a luz, e toda a mocidade
Desta velhice trágica aos vinte anos...(*)

Histórias Silenciadas
(Joshua Meyer: artista norte-americano)

Nota:

(*) O poema é datado de 1886 e o poeta nasceu em 1866, momento em que, portanto, tem     vinte anos.

Referência:

CUNHA, Euclides. Mundos extintos. In: __________. Ondas. São Paulo: Martin Claret, 2005. p. 67.

sexta-feira, 23 de outubro de 2015

Javier Rodríguez Marcos - Outra Poética

O jornalista e poeta espanhol nos propõe uma outra poética, desvestida de qualquer retórica ensimesmada, definida e valorada previamente. Uma poética que se assemelhe às contas que costumamos fazer nas margens de papéis já usados.

Nada de verborragia, também, pois qualquer palavra adicional pode ser condenada por excesso, ainda que, como afirma Marcos, qualquer palavra nos sirva ao intento de produzir o pretendido efeito poético.

J.A.R. – H.C.

Javier Rodríguez Marcos
(n. 1970)

Otra Poética

Evitar
desde ahora una palabra:
yo. Mirar sin ideas.

Evitar
las imágenes, algunas imágenes,
las que sean poéticas.

Escribir
como el que hiciera cuentas
en los márgenes del papel usado.

Evitar
hacerse sangre en la planta del pie
con los trozos de las palabras rotas
al caminar descalzos.

Evitar
las poéticas y los infinitivos
y las palabras grandes,
porque cualquiera sirve.

Evitar,
evitarse.
Porque cada palabra
corre el riesgo de ser
la palabra de más.

De: “Frágil”

Caminhada pelo Jardim
(Gustave Caillebotte: pintor francês)

Outra Poética

Evitar
desde já uma palavra:
eu. Olhar sem ideias.

Evitar
as imagens, algumas imagens,
as que sejam poéticas.

Escrever
como quem houvesse feito contas
nas margens do papel usado.

Evitar
que se faça sangue na planta do pé
com os fragmentos das palavras estilhaçadas
ao caminhar descalços.

Evitar
as poéticas, os infinitivos
e as palavras extensas,
porque qualquer uma serve.

Evitar,
Evitar-se.
Porque cada palavra
corre o risco de ser
a palavra em excesso.

Referência:

MARCOS, Javier Rodríguez. Otra poética. In: GALLEGO, Antonio (Org.). Javier Rodríguez Marcos. Madrid, ES: Fundación Juan March, 2009. p. 74. (Cuadernos “Poética y Poesia”)