Alpes Literários

Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

segunda-feira, 31 de agosto de 2015

Augusto Massi - Caixa de Ferramentas

Com uma caixa de ferramentas onde cabem nomes ilustres do cinema – Erice, Antonioni e Rosselini –, da pintura – Klee e Picasso – e da literatura – Kafka, Kertész, Valéry, Svevo, Murilo, Drummond e Jorge Guillén –, o professor, crítico e poeta paulista Augusto Massi tem todos os poderes para articular o que quer que seja no âmbito da poesia.

Há nessa leva de artistas suficientes crueldade e ternura – quem não se lembraria, aqui, do frequentado referente guevariano? –, tudo muito bem conjugado com adjetivos os mais diversos, como os relacionados aos atributos do sagrado, do irônico, do hipotético, do revelador, até mesmo do rancoroso, os quais, torneados pelo “alicate da atenção”, são capazes de se converter no mais puro objeto de arte.

J.A.R. – H.C.

Augusto Massi
(n. 1959)

Caixa de Ferramentas

Exploro a carga de crueldade
e ternura que cada uma delas
carrega e concentra.
Eis minhas ferramentas:

os diários de Kafka,
os desenhos de Klee,
a sagrada leica de Kertész,
os cahiers de Valéry

a visada irônica de Svevo,
as elipses de Erice
as hipóteses de Murilo,
revelações de Rossellini,

a potência de Picasso,
minérios rancorosos de Drummond
o Más allá de Jorge Guillén
os territórios de Antonioni

as lições da pedra cabralina
o no estar del todo de Cortázar
as ideias de ordem de Stevens
e o alicate da atenção.

De: “Negativo”

Aventura de uma jovem
(Paul Klee: pintor suíço naturalizado alemão)

Referência:

GONÇALVES, Aguinaldo José (Brasil); ROCA, Juan Manuel (Colômbia) (Orgs.). Antologia poética Brasil-Colômbia: para conocermos mejor. São Paulo: Editora Unesp; Santa Fé de Bogotá: Associación de Editoriales Universitarias de Colombia, 1996. p. 40. (Prismas)

domingo, 30 de agosto de 2015

Henry Wadsworth Longfellow - Natureza

A natureza tem o poder de encantar e de devastar. De ser uma mãe prodigiosa e, em outras circunstâncias, cruel. Mas é a um momento entre os primeiros que o educador e poeta norte-americano Henry Wadsworth Longfellow tece elogios.

Longfellow retoma a ideia do desconhecido em muito maior peso em relação ao que sabemos, daquilo por conhecer mais próximo do infinito e do indeterminado do que se pode abarcar no limitado espaço de um vida sob o sol. Vidas que “adormecem” e cedem espaço a outras tantas, para que o universo não cesse de ser investigado por esse ínfimo “caniço pensante”...

J.A.R. – H.C.

Henry Wadsworth Longfellow
(1807-1882)
Nature

As a fond mother, when the day is o’er,
Leads by the hand her little child to bed,
Half willing, half reluctant to be led,
And leave his broken playthings on the floor,

Still gazing at them through the open door,
Nor wholly reassured and comforted
By promises of others in their stead,
Which, though more splendid, may not please him more;

So Nature deals with us, and takes away
Our playthings one by one, and by the hand
Leads us to rest so gently, that we go

Scarce knowing if we wish to go or stay,
Being too full of sleep to understand
How far the unknown transcends the what we know.

Gaia
(Geraldine Arata: artista norte-americana)

Natureza

Como uma mãe afetuosa, quando findo o dia,
Que leva pela mão o seu pequeno filho à cama,
Meio por vontade e outro tanto relutante,
Por deixar os seus brinquedos quebrados no chão,

De modo que ainda os contempla pela porta aberta,
Não de todo tranquilo e confortado
Por promessas de outros em seu lugar, os quais,
Melhores que sejam, poderão mais não agradá-lo;

Assim a Natureza lida conosco, e remove os
Nossos brinquedos uma a um, e pela mão
Nos leva a descansar tão suavemente, que quase

Não sabemos se queremos com ela ir ou ficar,
Estando carregados de sono para compreender
Até que ponto o ignorado transcende o que sabemos.

Referência:

LONGFELLOW, Henry Wadsworth. Nature. In: NOSTRAND, Albert D. Van; WATTS II, Charles H. (Eds.). The conscious voice: an  anthology of american poetry from seventeenth century to the present. New York, NY: The Liberal Arts Press, 1959. p. 86.

sábado, 29 de agosto de 2015

Francisco Alvim - A Poesia

O domínio do valorativo dentro da expressão poética sempre foi e será objeto de muita controvérsia, mesmo que o belo possa ser melhor apurado por um juízo estético cultivado e criterioso.

É sobre tais dilemas que o poeta e diplomata mineiro Francisco Alvim se atém em seu poema: não há unidade de medida capaz de mensurar a excelência da poesia!

Ela pode surgir do inopinado, assim como de mananciais já em tese exauridos. Mas o que importa é a lavra de onde se extrai o mais belo cristal, seja ele revestido de criatividade, seja de humor, de malícia ou até mesmo de ineditismo.

J.A.R. – H.C.

Francisco Alvim
(n. 1938)

A Poesia

Houve um tempo
em que Schmidt e Vinicius
dividiam as preferências
como maior poeta do Brasil.
Quando, por unanimidade ou quase,
nesse jogo tolo
de se querer medir tudo,
Drummond foi o escolhido,
ele comentou:
alguém já me mediu
com fita métrica
para saber se de fato sou
o maior poeta?

Estava certo.
Pois a poesia
quando ocorre
tem mesmo a perfeição
do metro –
nem o mais
nem o menos
– só que de um metro nenhum
um metro de nadas.

Polímnia: musa da poesia lírica
(Giovanni Baglione: pintor italiano)

Referência:

ALVIM, Francisco. A Poesia. In: GULLAR, Ferreira et al. Boa companhia: poesia. São Paulo, SP: Companhia das Letras, 2003. p. 29.

sexta-feira, 28 de agosto de 2015

W. B. Yeats - Política

A vida humana no âmbito privado e as suas conexões com a dimensão pública. É mais ou menos assim a forma como vemos este gracioso poema do irlandês W. B. Yeats: o mundo à beira de uma guerra e o poeta se deliciando em imaginativa lascívia, tudo por ter uma jovem mulher à altura de seus olhos (rs).

Enquanto isso, o próprio autor emprega, como epígrafe ao seu poema, um pensamento de Thomas Mann, chamando à responsabilidade todos os homens de sua época, pois, em sua visão, a irrupção bélica está a um passo. Eis aí o dilema: “homo politicus” x “homo sensualis”.

J.A.R. – H.C.

W. B. Yeats
(1865-1939)

Politics

“In our time the destiny of man
presents its meanings in political terms”.
(Thomas Mann)

How can I, that girl standing there,
My attention fix
On Roman or on Russian
Or on Spanish politics?
Yet here’s a travelled man that knows
What he talks about,
And there’s a politician
That has both read and thought,
And maybe what they say is true
Of war and war’s alarms,
But O that I were young again
And held her in my arms.

Arte e Política
(Steven J. Levin: artista norte-americano)

Política

“Em nosso tempo, o destino do homem
encontra seu significado em termos políticos”.
(Thomas Mann)

Como posso eu, com aquela moça ali parada,
Fixar minha atenção
Na política Romana,
Russa ou Espanhola?
No entanto, há aqui um homem viajado que sabe
Do que fala,
E ali há um político
Que tem lido e pensado,
E talvez o que eles dizem seja verdade
Sobre a guerra e seus alarmes,
Mas, oh, fosse eu jovem novamente
E a tomaria em meus braços!

Referência:

YEATS, W. B. Politics. In: PINSKY, Robert; DIETZ, Maggie (Coords.). American’s favorite poems: the favorite poem project anthology. New York, NY: W. W. Norton, 2000. p. 304.

quinta-feira, 27 de agosto de 2015

Chacal - Como Era Bom

Haja complexidade no mundo de hoje: Edgar Morin que o diga! E para tanta complexidade, some-se mais um volume para o método capaz de apreendê-la: foram seis ao todo. Haja poder verbal na obra do teórico judeu-francês!

Há quem aprecie um mundo menos “louco”, tal como o viveram Marx e Freud, capazes que foram de explicá-lo “asséptica e simplificadamente”.

Mas retorno aqui aos meus botões: será que o explicaram mesmo de modo simples? Afinal, Marx e Freud deixaram obras caudalosas, com alguns tomos meio áridos para serem vencidos, que a quem se dedica a perscrutá-los jamais assolará a certeza de haver tudo vasculhado e compreendido.

Ainda bem que o poeta reteve a principal lição: “é preciso aprender a nascer todo dia”, pois do contrário estaremos superados num piscar d’olhos!

J.A.R. – H.C.

Ricardo de Carvalho Duarte
(Chacal)
(n. 1951)

Apreciação de Manuel da Costa Pinto (2006, p. 136-138)

Chacal (apelido de Ricardo de Carvalho Duarte) é, ao lado de nomes como Charles Peixoto, Cacaso, Eudoro Augusto e Nicolas Behr, representante da “geração mimeógrafo” surgida nos anos 1970, quando a censura da ditadura militar obrigou os poetas a buscarem meios alternativos para imprimir seus trabalhos (edições artesanais, feitas no mimeógrafo e distribuídas à margem do circuito comercial). Mas a marginalidade desses autores não dizia respeito apenas a uma atitude anárquica em relação ao mundo “oficial” e do sistema econômico. Também se opunha a uma vanguarda (leia-se: poesia concreta, poesia práxis e poema-processo) que estaria demasiado afastada das ruas, imersa em experimentações cujo “formalismo” neutralizava suas pretensões transformadoras. Como alternativa a esse triunfalismo utópico, tornado inócuo pelos “anos de chumbo” da repressão política, os poetas marginais – assim como os tropicalistas, em cuja Navilouca(*) Chacal navegou – propunham as condutas contraculturais (liberdade sexual, drogas) expressas numa poética desinflada, espontânea, jocosa. Passado o processo de abertura e redemocratização do país, esses autores continuaram praticando uma poesia aberta para a surpresa e o lirismo das pequenas coisas, que pode passar “cambaleante pelas ruas” como uma elefanta que, “com seu passo lerdo, um tanto tardo de ser”, denuncia I paralisia do mundo – dentro de um registro que remete aos poemas “O Elefante”, de Drummond (1902-1987), e “Elefante” de Francisco Alvim. Trata-se, enfim de uma poesia, intencionalmente pueril – e talvez involuntariamente melancólica – que prefere “aprender a nascer todo dia” àquelas grandes teorias (como a sociologia marxista ou a psicanálise freudiana) que simplificam, com suas generalizações e conceitos abstratos, a complexa singeleza da vida concreta.
(*) Revista editada nos anos 1970 pelos tropicalistas Torquato Neto e Waly Salomão.
Principais Obras: Muito Prazer, Ricardo (1971), Preço da Passagem (1972), América (1975), Olhos Vermelhos (1979), Nariz Aniz (1979), Boca Roxa (1979) – em edições do autor –, Drops de Abril (antologia, 1983), Comício de Tudo (poesia e crônica, 1986) – ambos pela Brasiliense –, Letra Elétrika (Diadorim, 1994).

Membros: Sr. Steer e Sr. Sickert
(Walter Richard Sickert: pintor alemão)

Como Era Bom

o tempo em que marx explicava
que tudo era luta de classes
como era simples
o tempo em que freud explicava
que édipo tudo explicava
tudo clarinho limpinho explicadinho
tudo muito mais asséptico
do que era quando nasci
hoje rodado sambado pirado
descobri que é preciso aprender
a nascer todo dia

Da antologia “Boas Companhias”
(Companhia das Letras, 2004)

Referência:

CHACAL. Como era bom. In: PINTO, Manuel da Costa (Edição, Seleção e Comentários). Antologia comentada da poesia brasileira do século 21. São Paulo: Publifolha, 2006. p. 136.

quarta-feira, 26 de agosto de 2015

Robert Frost - À Noite Acostumado

Robert Frost descreve no poema que ora postamos o estado mental de um solitário, a vagar pela noite sem interações humanas palpáveis: nem o vigia nem o grito que escuta desempenham quaisquer papéis emocionais que lhe despertem algum sentido de conexão social.

Nesse cenário sombrio e não acolhedor, o narrador transita pelas ruas da cidade e observa um “luminar relógio contra os céus”, excerto do poema que gera dubiedade em sua interpretação, pois há quem o entenda como uma metáfora da lua, assim como há outros que o preferem com um sentido mais denotativo, como se o poeta se referisse a um relógio propriamente dito, por exemplo, no alto de uma elevada torre de igreja.

Invoque-se Hermes para vir decifrar este mistério encerrado nas palavras (rs)! De nossa parte, preferimos a incerteza capaz de gerar perplexidade, uma das singularidades de um texto que se pretende, de fato, poético.

J.A.R. – H.C.

Robert Frost
(1874-1963)

Acquainted with the Night

I have been one acquainted with the night.
I have walked out in rain − and back in rain.
I have outwalked the furthest city light.

I have looked down the saddest city lane.
I have passed by the watchman on his beat
And dropped my eyes, unwilling to explain.

I have stood still and stopped the sound of feet
When far away an interrupted cry
Came over houses from another street,

But not to call me back or say good-bye;
And further still at an unearthly height,
One luminary clock against the sky

Proclaimed the time was neither wrong nor right.
I have been one acquainted with the night.

Homem na chuva à noite
(Ignace Kennis: pintor belga)

À Noite Acostumado

Já fui à noite inteiramente acostumado.
Eu já saí na chuva – e regressei na chuva.
Já segui tendo as luzes da cidade ao largo.

Eu já contemplei a mais triste dentre as ruas.
Já deixei para trás as rondas do vigia
E baixei o olhar, sem declaração alguma.

Parei, calei o som que ao caminhar fazia
Quando na distância de repente irrompeu
Um grito surdo que por sobre as casas vinha,

Mas não a me chamar ou me dizer adeus;
Ainda mais imóvel e mal-assombrado,
Dizia um luminar relógio contra os céus

Que o tempo nem estava certo nem errado.
Já fui à noite inteiramente acostumado.

(Tradução de Rodrigo Madeira)

Referência:

FROST, Robert. Acquainted with the night. In: PINSKY, Robert; DIETZ, Maggie (Eds.). American’s favorite poems: the favorite poem project anthology. New York, NY: W. W. Norton, 2000. p. 93.

terça-feira, 25 de agosto de 2015

Afonso Henriques Neto - Dos Olhos do Não

Neste belo poema do professor e poeta mineiro Afonso Henriques Neto podem-se pressentir as preleções do pensador judeu-alemão Walter Benjamin, sobre os modos de se ver a História: para que a História não seja um descritivo formal de fatos impostos pelo vencedor – a História oficial –, há necessidade de varrê-la de ponta a ponta, a contrapelo.

Somente desse modo seremos capazes de perscrutar as forças e as razões que estiveram em embate ao longo de toda a marcha humana, de sorte a se resgatar os valores dignos de manutenção pelas gerações futuras.

J.A.R. – H.C.

Afonso Henriques Neto
(n. 1944)

Dos Olhos do Não

se lhes derem Kennedy ou Kruschev ou De Gaulle
não acreditem nesta única realidade
neste implacável colar de conchas de ar

se lhes derem os códigos os gestos as modas
não acreditem nesta enlatada realidade
nesta implacável aranha de invisíveis fios

se lhes derem a esperança o progresso a palavra
não acreditem na imposta realidade
na implacável engrenagem das hélices de vácuo

aprendam a olhar atrás do espelho
onde a história jamais penetra
a profunda história do não registrado
aprendam a procurar debaixo da pedra
a história do sangue evaporado
a história do anônimo desastre
aprendam a perguntar
por quem construiu a cidade
por quem cunhou o dinheiro
por quem mastigou a pólvora do canhão
para que as sílabas das leis fossem cuspidas
sobre as cabeças desses condenados ao silêncio

A Liberdade Guiando o Povo
(Eugène Delacroix: pintor francês)

Referência:

HENRIQUES NETO, Afonso. Dos olhos no não. In: HOLLANDA, Heloisa Buarque de (Org.). 26 poetas hoje: antologia. 6. ed. Rio de Janeiro, RJ: Aeroplano Editora, 2007. p. 112-113.

segunda-feira, 24 de agosto de 2015

Henry David Thoreau - Fumo

O crítico e filósofo norte-americano Henry David Thoreau, famoso pelo seu livro “Walden”, uma reflexão sobre a vida simples junto à natureza, também foi autor de inúmeros poemas, como o que ilustra esta postagem.

Aliás, tal poema, “Smoke” (“Fumo”), consta exatamente na seção “Aquecimento e Inauguração”, de “Walden”, a configurar poética meditação sobre os trabalhos a que o autor se voltava, quando de sua experiência em viver acampado numa mata:

“O lenhador, quando acampa na mata, usa madeira de nogueira verde cortada em varetas finas. De vez em quando eu pegava um pouco. Quando os moradores da cidade estavam acendendo seus fogos além do horizonte, eu também avisava aos vários habitantes selvagens do vale de Walden, com uma serpentina de fumaça se evolando de minha chaminé que eu estava desperto.
Uma madeira de lei verde, recém-cortada, embora eu usasse em pequena quantidade, era a que melhor atendia à minha finalidade. Às vezes eu deixava um bom fogo aceso quando saía para uma caminhada numa tarde de inverno; ao voltar, três ou quatro horas depois, o fogo ainda estava vivo e brilhante. Minha casa não ficava vazia, mesmo eu estando fora. Era como se eu tivesse deixado ali uma alegre governanta. Éramos eu e o Fogo a morar ali; e geralmente minha governanta se mostrava digna de confiança” (THOREAU, 2015, p. 240-241).

J.A.R. – H.C.

Henry David Thoreau
(1817-1862)

Smoke

Light-winged Smoke, Icarian bird,
Melting thy pinions in thy upward flight,
Lark without song, and the messenger of dawn,
Circling above the hamlets as thy nest;
Or else, departing dream, and shadowy form
Of midnight vision, gathering up thy skirts;
By night star-veiling, and by day
Darkening the light and blotting out the sun;
Go thou my incense upward from this hearth,
And ask the gods to pardon this clear flame.

Noite das Fogueiras
Frederick C. Johnston: pintor inglês

Fumo

Leve fumo alado, pássaro de Ícaro
Derretendo tuas rêmiges no voo às alturas,
Cotovia sem melodia, mensageira da aurora,
Rodeando o alto das aldeias como teu ninho;
Ou além, deixando o sonho e a sombra
Da aparição noturna, recolhendo tuas saias;
À noite velando as estrelas, de dia
Toldando a luz e apagando o sol;
Vai, meu incenso, sobe desta lareira e
Pede aos deuses perdão pela viva chama.

Referências:

Em inglês:

THOREAU, Henry David. Smoke. In: __________. Henry David Thoreau: 41 poems. Classic Poetry Series. Publisher: PoemHunter.com. The World's Poetry Archive, 2012. Disponível neste endereço. Acesso em: 11 nov 2014. p. 28.

Em português:

THOREAU, Henry David. Fumo. In: __________. Walden. Tradução de Denise Bottmann. Porto Alegre, RS: L&PM, 2015. p. 241. (Coleção L&PM Pocket; v. 884).

domingo, 23 de agosto de 2015

Fernando Ferreira de Loanda - Porlamar

Com o sugestivo nome de Porlamar, um balneário de areias finas na ilha de Margarita, na Venezuela – afinal, foi esta a única referência que encontrei com o mesmo título –, o poeta angolano naturalizado brasileiro, Fernando Ferreira de Loanda, descreve a busca das palavras perfeitas para os seus poemas como se um mergulho fosse às profundezas abissais do mar.

Nota-se que esse rastreio sempre vem acompanhado de complementos adversativos, de modo que a recolha se constitua em algo não tão simples assim, como na alegoria da separação do joio do trigo, ou do fruto da amora de todo o espinheiro à sua volta.
                               
J.A.R. – H.C.

Fernando Ferreira de Loanda
(1924-2002)

Porlamar

Baixo às profundas
abissais da palavra:
colho-a como um ovo
entre as algas, como
uma pera na geladeira,
como um peixe roubado
à voracidade de outro,
como um pato abatido
no pântano, como areia
fina, na barra, a fugir
entre meus dedos.
Como-a
com uma pitada de sal.
Se de veias, sangro-a;
pétrea, sob o cinzel,
dirá o que direi, nua,
gelada e engalanada,
confiante e confidente.

Busco-a a madrugar,
mastim, de tocaia,
como se colhesse amoras
temendo as silvas.

Arte Abstrata
(Wassily Kandinsky: pintor russo)

Referência:

LOANDA, Fernando Ferreira de. Porlamar. PINTO, José Nêumanne (Sel.). Os Cem Melhores Poetas Brasileiros do Século. Ilustrações de Tide Hellmeister. 2. ed. São Paulo, SP: Geração Editorial, 2004. p. 139-140.

sábado, 22 de agosto de 2015

Miguel Reale - O Espaço e o Tempo

Numa parelha cara aos estudiosos da Física, o binômio “espaço x tempo”, o pensador brasileiro Miguel Reale – autor de clássicos da literatura zetética, como “Lições Preliminares de Direito” e “Teoria Tridimensional do Direito” – exercita a sua poética, claro está, forjada em nítidos lineamentos filosóficos.

Vê-se então um mesclado de ontologia, cosmologia, atomística e gravitação universal, tudo bem arregimentado num diálogo hipotético imaginado pelo jusfilósofo, que teria reverberado pelos quatro cantos do universo!

J.A.R. – H.C.

Miguel Reale
(1910-2006)

O Espaço e o Tempo

Espaço e tempo se desavieram
num dos grotões do cosmos.

“Estou cansado de viver jungindo ao tempo,
proclama arrogante o espaço,
como irmãos gêmeos siameses,
o momento confundido com o traço.
Com absoluta independência
quero imergir-me nas micropartículas do átomo
ou sublimar-me no infinito campo de forças
estelares!”

E sereno o tempo respondeu:
“Como te enganas!
Há muito tempo, enquanto te encurvavas
para ajustar-te às coisas grandes ou pequenas,
eu fugia delas
buscando a duração intrínseca do ser
ou me arriscando em sonhos transcendentes!”

E o eco repetiu o diálogo
no espaço e no tempo.

Tempo no Espaço
(Alayna Borowy: artista norte-americana)

Referência:

REALE, Miguel. O espaço e o tempo. In: CONGÍLIO, Mariazinha (Selecção e Coordenação). Antologia de poetas brasileiros. 1. ed. Lisboa, PT: Universitária Editora, 2000. p. 152.