Alpes Literários

Alpes Literários

Subtítulo

UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quinta-feira, 31 de dezembro de 2015

Liubomir Levtchev - Brinde de Ano Novo

Hoje, véspera de Ano Novo, é o momento para exorcizar tudo o que não deu certo em 2015. Que 2016 tenha o poder de nos fazer mais conscientes no consumo das riquezas da Terra, mais humanos em nossas interações, mais otimistas com o presente e o futuro.

É nesse espírito de virada, que postamos um poema meio “gótico”, do búlgaro Liubomir Levtchev, no qual faz ele menção a um brinde com vinho, a ser sorvido num crânio humano, em conexão direta com o poema “Uma taça feita de um crânio humano”, de Lord Byron.

J.A.R. – H.C.

Liubomir Levtchev
(n. 1935)

Brinde de Ano Novo

Dum crânio, achado no jardim
de um mosteiro medieval, Byron
fez uma taça.

Lord Byron,
encha a taça.
Do crânio do pobre frade
vou beber sedento,
até a saciedade...
A vida vencedora
pode sentir medo perante alguma coisa?
Neste mundo não tenho medo de nada!

Perdi
os companheiros mais chegados.
Desamei
mulheres queridas.
Fechei as pálpebras do papai...
Mas até nos meus dias mais terríveis
nunca fechei
as pálpebras da minha fé!

Oh, que o vinho generoso transvase
chama imortal no meu coração!
Humano é viver!
E desumano é
morrer!

Mas se os meus dias estiverem contados,
se tenho de morrer
como todo mundo,
que seja em combate,
não na cama!
Então até a morte parecerá
verdadeira vida.

Lord Byron,
encha a taça:
sou sua visita de Ano Novo.
Quero falar-lhe às doze –
brindar
por meu crânio.

Porque um dia
vão achá-lo também...
Mas que seja ruim para taça:
não quero é que achem
sem buracos de balas
ou de faca!

Um Bar no Folies-Bergère
(Édouard Manet: pintor francês)

Referência:

LEVTCHEV, Liubomir. Brinde de ano novo. Tradução de Rumen Stoyanov. In: __________. Observatório: poesias. Tradução do búlgaro por Rumen Stoyanov. São Paulo, SP: Montanha Editora (Albert Haimoff), 1975. p. 21-22.

quarta-feira, 30 de dezembro de 2015

Robert Frost - Poeira de Neve

Para não passar o dia sem um poema que lembre esta época de final de ano, resgatamos um breve carme do poeta norte-americano Robert Frost, cujo título, “Dust of Snow” (“Poeira de Neve”), lembra muito mais os rigorosos invernos que, por agora, assolam o hemisfério norte do planeta.

Afinal, aqui por estas paragens, sob um céu azul, límpido e tropical, se houver ventanias, certamente serão de outra natureza, como prenúncio de alguma precipitação de chuva, algo ainda esparsas.

J.A.R. – H.C.

Robert Frost
(1874-1963)

Dust of Snow

The way a crow
Shook down on me
The dust of snow
From a hemlock tree

Has given my heart
A change of mood
And saved some part
Of a day I had rued.

Paisagem de Inverno - Efeito da Neve
(Paul Gauguin: pintor francês)

Poeira de Neve

Da árvore da cicuta
Ao voar, de leve,
Um corvo atirou-me
A poeira da neve

Fez no meu coração
Uma grande mudança
Salvou um dia triste
Sem qualquer esperança.

Referência:

Em Inglês

FROST, Robert. Dust of snow. In: __________. Complete poems of Robert Frost. Seventeenth Printing. New York, NY: Holt, Rinehart and Winston, 1964. p. 270.

Em Português

FROST, Robert. Poeira de neve. In: __________. Poemas escolhidos de Robert Frost. Tradução de Marisa Murray. Rio de Janeiro: Lidador, 1969. p. 65.

terça-feira, 29 de dezembro de 2015

Olavo Bilac - Natal

Olavo Bilac, talvez o poeta mais expressivo do período parnasiano de nossa literatura, não é apenas o autor do Hino à Bandeira, senão também o literato de inúmeros outros poemas dedicados à causa cívica e também às crianças.

Dentre os poemas dedicados aos infantes, sobressaem dois que se associam a esta época do ano: “Natal” e “Os Reis Magos”. Escolhemos o primeiro para fazer parte desta postagem, com as suas sete quadras de versos decassílabos e anáforas alusivas àquela “pobre estrebaria”, ao final de estrofes alternadas.

J.A.R. – H.C.

Olavo Bilac
(1865-1918)

Natal

Jesus nasceu! na abóbada infinita
Soam cânticos vivos de alegria;
E toda a vida universal palpita
Dentro daquela pobre estrebaria...

Não houve sedas, nem cetins, nem rendas,
No berço humilde onde nasceu Jesus...
Mas os pobres trouxeram oferendas
Para quem tinha de morrer na cruz.

Sobre a palha risonho, e iluminado
Pelo luar dos olhos de Maria,
Vede o Menino-Deus, que está cercado
Dos animais da pobre estrebaria.

Não nasceu entre pompas reluzentes;
Na humildade e na paz deste lugar,
Assim que abriu os olhos inocentes,
Foi para os pobres seu primeiro olhar.

No entanto, os reis da terra, pecadores,
Seguindo a estrela que ao presepe os guia,
Vêm cobrir de perfumes e de flores
O chão daquela pobre estrebaria.

Sobem hinos de amor ao céu profundo;
Homens, Jesus nasceu! Natal! Natal!
Sobre esta palha está quem salva o mundo
Quem ama os fracos, quem perdoa o Mal!

Natal! Natal! Em toda a natureza
Há sorrisos e cantos, neste dia...
Salve, Deus da Humanidade e da Pobreza,
Nascido numa pobre estrebaria!

Adoração dos Pastores
(Jacopo Bassano: pintor italiano)

Referência:

BILAC, Olavo. Natal. In: A GAIVOTA. São Paulo: Publicação mensal da Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias, ano III, n. 12, dez. 1950. p. 239.

segunda-feira, 28 de dezembro de 2015

Mário Pederneiras - Natal da Mágoa

O Natal é um tempo, como já se disse, que deixa as pessoas muito sensíveis, tanto mais se marcado por eventos que costumam deixar memórias indeléveis no espírito humano.

É o caso que se nos apresenta no poema a seguir: trata-se de uma elegia dedicada pelo poeta carioca Mário Pederneiras à sua filha de apenas três anos, há pouco falecida. Ou seja, um Natal marcado por um sentimento de perda...

J.A.R. – H.C.

Mário Pederneiras
(1867-1915)

Natal da Mágoa

Faz anos hoje a minha Mágoa,
Que não se acalma e que não finda...
E de olhos rasos d’água
Sinto-a aflitiva,
Detalhada e viva,
Como se fosse de outro dia ainda.

Fugíramos daqui, da vida intensa
E do ar parado que a Cidade encerra,
Levando-a, crentes, em convalescença,
Para as alturas amplas de uma Serra.

Embora o lento desengano o fira,
Um coração de pai não desanima...
E a velha crença, que não morre ou cama,
Para minh’Alma sofredora abrira,
Lá em cima,
O derradeiro pouso da Esperança.

Pelo pesado curso da subida,
Que eu galgava,
A nova Terra esperançado olhava,
Como quem olha a Terra Prometida.

Lá em cima renascia
Com a nossa Esperança, o riso dela.
Convalescia...
Acabara, por fim, o horror das crises
E toda aquela
Odisseia de Dor que vínhamos chorando.
Foi quando
Começamos de novo a ser felizes.

A Dor fugiu do meu viver tristonho
E o Sonho
Volveu mais uma vez, alegre e alado,
A cantar no beiral do meu telhado.

Parecia mesmo que o Destino
Cedera,
Deixando-nos em paz, cheios de enganos.

A nossa Graça tinha, então, três anos
E era
Loira como um trigal e alegre como um hino.

Todo aquele verão que nós passamos
No convívio do Céu e da Floresta,
Sob a amistosa proteção dos Ramos,
Foi todo ele de consolo e festa.

Quando subi, como me foi ligeiro
O pesado caminho da subida!...
O rubro Sol honesto de Janeiro
Andava a alacrizar a Terra e a Vida.

Por fim, como a sentíssemos robusta
E renascida a antiga alacridade,
Descemos a montanha augusta,
Voltamos à Cidade.

Não sei por que, mas pareceu-me eterno
O suave caminho da descida.
O Inverno andava entristecendo a Terra e a Vida.

Trouxemo-la julgando
Que se sentisse inteiramente boa...
Foi, justamente, quando
Veio a febre e levou-a.

Atroz, feroz, impávido, o Destino
Volvera
De novo, contra nós, seus olhos desumanos...

A nossa Graça tinha, então, três anos
E era
Loira como um trigal e alegre como um hino.

No Portão da Eternidade
(Vincent Van Gogh: pintor holandês)

Referência:

PEDERNEIRAS, Mário. Natal da mágoa. In: RAMOS, Péricles Eugênio da Silva (Introdução, seleção e notas). Poesia simbolista: antologia. São Paulo, SP: Melhoramentos, 1965. p. 198-199.

domingo, 27 de dezembro de 2015

John Donne - Natal

John Donne sintetiza nos quatorze versos do soneto toda a história da natividade de Jesus, desde o nascimento propriamente dito e a adoração dos Magos, até a partida para o Egito em razão do édito de Herodes.

Donne sobra em habilidade no trato com a língua inglesa, a ponto de ser capaz de alterar, em rápidas linhas, a pessoa ao longo do poema: de um terceiro narrador, assume ele próprio o fio condutor, quando então expressa imperativos de fé, talvez num anseio de torná-la ainda mais forte.

J.A.R. – H.C.

John Donne
(1572-1631)

Nativitie

Immensity cloystered in thy deare wombe,
Now leaves his welbelov’d imprisonment,
There he hath made himselfe to his intent
Weake enough, now into our world to come;
But Oh, for thee, for him, hath th’Inne no roome?
Yet lay him in this stall, and from the Orient,
Starres, and wisemen will travell to prevent
Th’effect of Herods jealous generall doome.
Seest thou, my Soule, with thy faiths eyes, how he
Which fils all place, yet none holds him, doth lye?
Was not his pity towards thee wondrous high,
That would have need to be pittied by thee?
Kisse him, and with him into Egypt goe,
With his kinde mother, who partakes thy woe.

A Adoração dos Pastores
(Domenico Zampieri: pintor italiano)

Natal

A imensidade toda no ventre abençoado,
Agora deixa o ventre, bem amada clausura
Onde, por seu querer, se fez uma criatura
Fragílima, e eis no mundo nosso Deus encarnado.
Mas, oh! Para ti, e ele, não há no albergue um pouso?
Na manjedoura estava, e vindo do Oriente,
Estrela e Magos põem a família ao corrente
Do decreto de Herodes, general invejoso.
Minha alma, que teus olhos de fé por ele passes:
Ele enche o espaço todo, e não tem um abrigo?
Não era alta piedade dele para contigo
Que lhe fosse preciso que dele te apiedasses?
Beija-o, e com ele foge para o Egito, vai, parte
Com sua doce mãe, que a imensa dor reparte.

Referência:

DONNE, John. Nativitie / Natal. In: __________. Sonetos de meditação. Edição bilíngue. Tradução de Afonso Félix de Sousa. Rio de Janeiro, RJ: Philobiblion, 1985. Em inglês: p. 22; em português: p. 23. (Coleção Poesia, Sempre n. 6).


sábado, 26 de dezembro de 2015

Machado de Assis - Soneto de Natal

Imagine, internauta, um dos maiores – se não for o maior! – nomes da literatura brasileira assaltado pela falta de inspiração, para compor um poema que transportasse ao verso as “sensações da sua idade antiga”, à época do Natal...

Mesmo que isso fosse verdade, veja como Machado de Assis – não exatamente um poeta irreparável, senão um escritor brilhante –, dá contornos ao seu íntimo problema, neste soneto natalino cheio de graça!

J.A.R. – H.C.

Machado de Assis
(1839-1908)

Soneto de Natal

Um homem, – era aquela noite amiga,
Noite cristã, berço do Nazareno, –
Ao relembrar os dias de pequeno,
E a viva dança, e a lépida cantiga,

Quis transportar ao verso doce e ameno
As sensações da sua idade antiga,
Naquela mesma velha noite amiga,
Noite cristã, berço do Nazareno.

Escolheu o soneto... A folha branca
Pede-lhe a inspiração; mas, frouxa e manca,
A pena não acode ao gesto seu.

E, em vão lutando contra o metro adverso,
Só lhe saiu este pequeno verso:
“Mudaria o Natal ou mudei eu?”

Adoração dos Pastores
(Caravaggio: pintor italiano)

Referência:

MACHADO DE ASSIS, Joaquim Maria. Mudaria o Natal ou mudei eu? In: __________. Obra Completa. vol. III (Ocidentais). Rio de Janeiro, RJ: Nova Aguilar, 1994. p. 205.

sexta-feira, 25 de dezembro de 2015

Edgar Albert Guest - No Natal

Trago neste Natal uma versão própria ao português para o poema em epígrafe, da lavra do poeta anglo-americano Edgar A. Guest. Trata-se de bela caracterização da época, quando as pessoas se tornam mais amáveis, receptivas e generosas.

O poema faz lembrar, em sede de associações cinematográficas, as películas otimistas do renomado diretor ítalo-americano Frank Capra, como por exemplo “Do Mundo Nada se Leva (1938) ou mesmo “A Felicidade Não se Compra” (1946).

Aproveito o ensejo para desejar a todos os internautas, que por aqui navegaram durante este quase findo ano de 2015, ótimas festas natalinas. E mesmo para quem professa fé diversa, um grande e fraterno abraço.

J.A.R. – H.C.

Edgar Albert Guest
(1881-1959)

At Christmas

A man is at his finest
towards the finish of the year;
He is almost what he should be
when the Christmas season is here;
Then he’s thinking more of others
than he’s thought the months before,
And the laughter of his children
is a joy worth toiling for.
He is less a selfish creature than
at any other time;
When the Christmas spirit rules him
he comes close to the sublime.

When it’s Christmas man is bigger
and is better in his part;
He is keener for the service
that is prompted by the heart.
All the petty thoughts and narrow
seem to vanish for awhile
And the true reward he’s seeking
is the glory of a smile.
Then for others he is toiling and
somehow it seems to me
That at Christmas he is almost
what God wanted him to be.

If I had to paint a picture of a man
I think I’d wait
Till he’d fought his selfish battles
and had put aside his hate.
I’d not catch him at his labors
when his thoughts are all of pelf,
On the long days and the dreary
when he’s striving for himself.
I’d not take him when he’s sneering,
when he’s scornful or depressed,
But I’d look for him at Christmas
when he’s shining at his best.

Man is ever in a struggle
and he’s oft misunderstood;
There are days the worst that’s in him
is the master of the good,
But at Christmas kindness rules him
and he puts himself aside
And his petty hates are vanquished
and his heart is opened wide.
Oh, I don’t know how to say it,
but somehow it seems to me
That at Christmas man is almost
what God sent him here to be.

From: “Just Folks”

Época de Natal
(Eastman Johnson: pintor norte-americano)

No Natal

Um homem se torna mais amável
assim que o ano se aproxima de seu fim;
Ele é quase o que deve ser
quando a época do Natal se avizinha;
Pensará então mais nos outros
do que cogitou em fazê-lo nos meses anteriores,
E o riso de seus filhos
torna-se uma alegria pela qual vale a pena labutar.
É uma criatura menos egoísta
do que em qualquer outra época do ano;
Quando o espírito do Natal o guia
ele se acerca do sublime.

No Natal o homem é mais generoso
e revela o seu melhor lado;
É mais devotado ao serviço
pois é o coração que o impulsiona.
Todos os pensamentos indignos e tacanhos
parecem desaparecer por algum tempo
E o verdadeiro prêmio que persegue
não é outro senão a glória de um sorriso.
Assim pelo próximo estará ele na lida e
de algum modo me parece
Que no Natal ele se torna
quase aquilo que dele Deus espera.

Se tivesse que pintar o retrato de um homem
penso que esperaria
Até que houvesse lutado as suas egoístas batalhas
e tivesse posto de lado o seu ódio.
Não o representaria em seus labores
quando seus pensamentos são todos sobre dinheiro,
Nem nos longos e maçantes dias
quando está se esforçando para si mesmo.
Não o tomaria quando fosse sarcástico,
já que tende a se mostrar desdenhoso ou depressivo,
Mas o retrataria no Natal
quando está em todo o seu esplendor.

O homem está sempre numa luta
e com frequência é mal interpretado,
Há dias em que o pior que nele existe
supera o seu lado bom,
Porém no Natal a bondade o governa
e ele de si mesmo se esquece,
E seus ódios mesquinhos são vencidos
e o coração se abre de lado a lado.
Oh, não saberia bem exprimir,
porém de alguma forma me parece
Que no Natal o homem se aproxima
de ser aquilo para o qual Deus o enviou.

De: “Gente Simples”

Referência:

GUEST, Edgar. At Christmas. Disponível neste endereço. Acesso em: 28 nov. 2015.