Alpes Literários

Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

domingo, 30 de novembro de 2014

Rafael Alfaro – Acender as Candeias

Um soneto sobre alguém que, alerta, está à espera de seu Senhor, como qualquer cristão, no aguardo do nascimento de uma anunciada criança. Nomeadamente, como também o recém-falecido sacerdote salesiano, de origem espanhola, Rafael Alfaro, autor do poema.

J.A.R. – H.C. 
Rafael Alfaro
(1930-2014)

“Tened ceñidos vuestros lomos y encendidas
las lámparas, y sed como hombres que
esperan a su amo de vuelta de las bodas, para
que, al llegar él y llamar, al instante le abran”
(Lc 12, 35-36).

Hoy Tengo Ya Mi Lámpara Encendida

Hoy tengo ya mi lámpara encendida,
ceñida la cintura, y la alianza
en mi dedo vigía; y la esperanza
centinela del alba prometida.

Y arde en mi corazón la dolorida
llaga de soledad: ¡lenta es la danza
de las horas y lenta tu tardanza!
Dios del venir: ¡Ardiendo está mi vida!

Y me digo: la noche anuncia al Día;
las estrellas al Sol; el suelo al Cielo.
¿A quién anunciará el alma vacía?

Aprenda el Ángel ya su “avemaria”
y encienda el aire blanco de su vuelo.
Dios del venir, ¡mi corazón te ansia!

Lead Kindly Light
(Simon Dewey)

“Estejam cingidos os vossos lombos e acesas as vossas candeias. E sede vós semelhantes aos homens que esperam o seu senhor, quando houver de voltar das bodas, para que, quando vier, e bater, logo possam abrir-lhe”
(Lc 12, 35-36).

Hoje Tenho Já a Minha Lâmpada Acesa

Hoje tenho já a minha lâmpada acesa,
ajustada a cintura, e a aliança
em meu dedo vigia; e a esperança
sentinela do amanhecer prometida.

E arde em meu coração a dolorida
chaga da solidão: lenta é a dança
das horas e lenta tua tardança!
Deus do porvir: Ardendo está minha vida!

E me digo: a noite anuncia o Dia;
as estrelas o Sol; a terra o Céu.
Quem anunciará a alma vazia?

Aprenda o Anjo já sua “ave-maria”
e acenda o ar branco de seu voo.
Deus do porvir, meu coração te ansia!

Referência:

ALFARO, Rafael. Hoy tengo ya mi lámpara encendida. In: SANTIAGO, Miguel de; Laso, Juan Polo (Introducción y Selección). Porque esta noche el amor: poesía navideña del siglo XX. Madrid (ES): Biblioteca de Autores Cristianos, 1997. p. 77.

P.s.: A tradução dos versículos do Evangelho de Lucas foi extraída do endereço eletrônico “Bíblia on Line”. 

sábado, 29 de novembro de 2014

Salvador Espriu - Este Natal Perto do Mar

Um condoído poema de Natal, em escrita catalã: um filho que sente a ausência da mãe, inumada sob os ciprestes. Permitam-me uma liberdade de associação – ao lê-lo, como que num divã freudiano, relacionei-o às imagens distorcidas do filme “Mãe e Filho” (1997), do  russo Alexander Sokurov.

Quase sem ação ou diálogos, na película, as imagens e os sons da natureza saturam o enredo com um estado letárgico de graça, nos últimos instantes de uma genuína paixão, não a do filho para o trânsito à eternidade – como no enredo bíblico –, mas a da mãe, que hipoteticamente ouviria: “Mãe, eis aqui o teu filho, e a ti demonstrarei fidelidade até o teu derradeiro momento”.

No tangenciamento da morte com a vida, na natureza trágica do ocaso, num instante de renascimento como o Natal – assim tão próximo com o seu oposto, de passamento –, um único elemento serve de denominador comum entre esses antitéticos momentos: a de manifestação do sagrado, não um sagrado necessariamente religioso, mas sublime e plenamente natural.

J.A.R. – H.C.

Salvador Espriu
(1913-1985)

Aquest Nadal Prop del Mar

Veig encara el bou i la mula
i el meu fang que els mancaments endinsen
pel camí de la mort.

Però les mans oloroses de molsa,
les benignes mans de la meva
mare, són quietes per sempre,
allí, sota la nit dels xiprers.

Encalmada en aquest difícil somni,
tota la mar m'acompanya i escolta:
plora amb mi, per mi, el teu fill, Maria?

(1913)

Cypress Trees at San Vigilio
(John S. Sargent: 1856-1925)

Este Natal Perto do Mar

Vejo ainda o boi e a mula
e meu barro que as culpas afundam
pelo caminho da morte.

Mas as mãos cheirosas de musgo,
as benignas mãos de minha
mãe, estão quietas para sempre,
ali, sob a noite de ciprestes.

Acalmado neste difícil sonho,
todo o mar me acompanha e escuta:
chora comigo, por mim, teu filho, Maria?

(1913) 

Mãe e Filho
(Alexander Sokurov: 1997)
Legendas em Espanhol

Referência:

ESPRIU, Salvador. Aquest Nadal prop del mar. In: LEONARDOS, Stella (seleção, tradução e notas). Antologia de poesia catalã contemporânea. São Paulo: Monfort, 1969. p. 66-67.

sexta-feira, 28 de novembro de 2014

Manuel Alegre – Natal

Mais um belo poema sobre a quadra natalina – de autoria do político e escritor português Manuel Alegre –, aqui vista sob um “clima” no qual as coisas “aconteciam”, plasmadas, num sopro poético, em palavras e música. Ao fundo, percebe-se ainda a influência onipresente de um outro clima, este denotativamente epocal, debaixo de chuva, sob o vento... e era dezembro!

J.A.R. – H.C.

Manuel Alegre
(n. 1936)


Natal

Acontecia. No vento. Na chuva. Acontecia.
Era gente a correr pela música acima.
Uma onda uma festa. Palavras a saltar.
Eram carpas ou mãos. Um soluço uma rima.
Guitarras guitarras. Ou talvez mar.
E acontecia. No vento. Na chuva. Acontecia.
Na tua boca. No teu rosto. No teu corpo acontecia.
No teu ritmo nos teus ritos.
No teu sono nos teus gestos. (Liturgia liturgia).
Nos teus gritos. Nos teus olhos quase aflitos.
E nos silêncios infinitos. Na tua noite e no teu dia.
No teu sol acontecia.
Era um sopro. Era um salmo. (Nostalgia nostalgia).
Todo o tempo num só tempo: andamento
de poesia. Era um susto. Ou sobressalto. E acontecia.
Na cidade lavada pela chuva. Em cada curva
acontecia. E em cada acaso. Como um pouco de água turva
na cidade agitada pelo vento.
Natal Natal (diziam). E acontecia.
Como se fosse na palavra a rosa brava
acontecia. E era Dezembro que floria.
Era um vulcão. E no teu corpo a flor e a lava.
E era na lava a rosa e a palavra.
Todo o tempo num só tempo: nascimento de poesia.

Sledding to Town
(Chuck Pinson)

Referência:

DUARTE, Manuel Alegre de M. Natal. In: __________. 30 anos de poesia: obra poética completa. Prefácio de Eduardo Lourenço. 2. ed. Lisboa: Dom Quixote, 1997. p. 347.


quinta-feira, 27 de novembro de 2014

Millôr Fernandes – Poemeu de Natal: Reflorestamento

O carioca Millôr Fernandes, conhecido humorista e tradutor, tinha também, como todo mundo, o seu lado “poeta”. E lá pelos inícios dos anos 80, concebeu o poema abaixo, a defender a tese de que melhor seria a proliferação das árvores do mundo real, frutíferas, capazes de atenuar a fome das pessoas carentes, do que o poder de multiplicação de árvores fictícias, como as de Natal, “fosfatadas com dinheiro”.

J.A.R. – H.C.

Christmas Town
(Philip Straub)

Poemeu de Natal
Reflorestamento

No Rio a gente sensata
Lutou por uma figueira
Mas não vi um democrata
Sair de sua banheira
Pra ver a causa mortal
Da árvore de Natal.

Dava bolas, não se lembram?
Dava velas multicores
Que iluminavam, na sala,
Uma breve noite sem dores.
Ainda existem, mas poucas;
Foram sendo destruídas
Pelo atrito entre as vidas
Foram sendo desprezadas
Pelas relações iradas.
E além disso, que má fé,
Eram banhadas apenas
Com lágrimas de jacaré.
Embora, entrando pelo tubo,
O povo, a todo momento,
Não lhe poupasse adubo;
Bosta de ressentimento.

Mas será que interessa
Em nome de uns inocentes
Crescer árvores inventadas
Pela imaginação das gentes
Sem utilidade prática
Frutificando presentes
(Que brotavam das raízes)
Só pra pessoas felizes?;
Nunca vi martelo ou pua
Ou uma colher de pedreiro
Frutificar nessa árvore
Fosfatada com dinheiro.

Era uma coisa maldita
Pois a praga da aflição
Crescia mais do que ela
E sem darmos atenção
Foram-se acabando as mudas
Não houve renovação
E cercada de fome e medo
Morreu toda a plantação.
Pode ser, eu não sei não,
Pois há ainda outra versão;
Ante a violência urbana
A árvore ficou tristonha
E como não era humana
Morreu mesmo é de vergonha.

Contudo, sou da esperança,
Do “quem espera sempre alcança”
E por isso deixo aqui
Meu voto de confiança
O meu apelo final
À árvore de Natal:
Mais popular, mais comum,
Quero ver-te renascer
Para que, em oitenta e um,
Possam os pobres te comer.

Millôr Fernandes
(1923-2012)

Referência:

FERNANDES, Millôr. Poemeu de Natal: reflorestemanto. In: __________. Poemas. 1.ed. Porto Alegre: L&PM, 2011. p. 88-90. (Coleção Pocket L&PM, v. 228)

quarta-feira, 26 de novembro de 2014

Gabriel Nascente – Bilhete ao Papai Noel

É de Gabriel Nascente, poeta goianiense, o poema-chave desta postagem. Uma criança sozinha, ensimesmada no seu universo infantil, tece um diálogo – que mais parece um monólogo-apelo – com Papai Noel, fazendo-lhe pedidos sérios – como o fim da bomba –, mesclados com outros que, com naturalidade, qualquer infante seria capaz de requisitar ao “Bom Velhinho”.

J.A.R. – H.C. 
The Spirit of Christmas
Greg Olsen

Bilhete de Quem Ficou Sozinho
Numa Noite de Natal

Papai Noel,
o senhor me garante
que o coração da humanidade
não ganhará o caminho dos escombros?

Papai Noel, o mundo agora festeja
um tumulto de alegrias,
–  um banquete de lágrimas
    o mundo comemora.

Papai Noel
o senhor me promete
que nenhum anjo ficará mendigo?
Que todas as ruas do mundo
ganharão uma estrela?
–  Então vê se destrói
    a origem da bomba.

Quero sinos
para unir os homens.
Açucenas, muito afeto,
para o sonho dos meninos.

Que o medo, Papai Noel,
naufraga o mundo.
–  Sabe, Papai Noel,
    eu tenho somente
    a ânsia de dois olhos
    e um corpo, como sombra.

Sou mais sozinho
que uma chinela sem dono.

Só sei brincar
com a cachorra do vizinho.
Então o senhor me dá
um boneco de pano,
uma caneta e uma viola?
Dá mesmo! Vou ficar grande
    de alegria.

Vou brincar de roda
com a humanidade.

São Paulo, 7/12/71.

Gabriel Nascente
(n. 1950)

Referência:

NASCENTE, Gabriel. Bilhete de quem ficou sozinho numa noite de Natal. In: __________. Colmeia de anônimos: poemas. São Paulo: Martins, 1973. p. 83-84.

terça-feira, 25 de novembro de 2014

Faltam 30 Dias para o Natal 2014

Não há como deixar de sentir o “clima” natalino que, já há algumas semanas, tomou conta dos shoppings centers e salas comerciais de Brasília. Mas não só de comércio vive o Natal, senão – e sobretudo – de toda a poesia que aflora da mente dos poetas e poetisas, em todo o mundo!

E para tecer encômios para a quadra que tanto amamos – e tal como o fizemos ao final de 2013 –, postaremos, em sequência que esperamos diária, vários poemas e odes, inéditos nestas paragens. E começamos com um “Poema de Natal” redigido pelo poeta carioca Paulo Henriques Britto.

Coincidentemente ou não, seu poema enfatiza, por meio de uma analogia cristalina, a relação Criador x Criatura, que estaria presente tanto na relação Deus x Jesus, enquanto correlato de Pai x Filho, quanto no duo Poeta x Poema: o poema como criança anunciada que vem ao mundo para preencher as nossas carências.

J.A.R. – H.C.

Reason for the Season
Philip Straub

Poema de Natal

Eis o prazer supremo, que não cansa
jamais: idolatrar o que criamos
à nossa vera imagem e semelhança.

Nada mais digno do mais puro amor
que essa anunciadíssima criança,
em berço ou pálio ou página ou o que for,

desde que seja nossa, e na medida
exata do desejo, nem maior
nem mais funda que a precisa ferida

que para preencher foi ela concebida. 

Paulo Henriques Britto
(n. 1951)

Referência:

BRITTO, Paulo Henriques. Poema de Natal. In: __________. Tarde. São Paulo. Companhia das Letras, 2007. p. 28.

segunda-feira, 24 de novembro de 2014

Brasileirão 2014: Modelo Esotérico-Matemático (MEM) – 36ª Rodada

Prezado(a)s amigo(a)s do futebol,

Mais duas rodadas e apenas duas dúvidas restam em relação ao que falta para as definições, em cima e em baixo, na tabela de classificação do Brasileirão 2014.

Para alcançar o G4, Internacional e Atlético-MG disputam a quarta e última vaga para a Libertadores. O MEM aposta no Atlético-MG à frente do Internacional por questão de décimos na projeção de pontos. A situação é mais ou menos parecida com o que os ‘sites’ que calculam probabilidades no futebol estão a estimar.

Mas há uma nota a se fazer em relação às chances estimadas para o Atlético-MG, no ‘site’ Infobola, do Tristão Garcia: distintamente dos demais, ele estima probabilidade de 92.0% para o Galo atingir o G4, chance essa um pouco maior que a do Internacional, 91,0%. Será? Pode ser que isso decorra de equívoco no cálculo. Aliás, para ratificar o que afirmo, apresento os endereços eletrônicos ao final desta mensagem.

Como esclarecimento, Tristão assevera: “Para o cálculo das chances de libertadores são considerados o mando de campo dos jogos e o retrospecto das equipes na competição. O sistema de cálculo permite comparar os clubes não apenas pela pontuação ou aproveitamento, mas também pela dificuldade dos jogos de cada equipe, avaliada em função dos adversários e do fator local”.

Seja como for, ao destoar dos demais ‘sites’, o Infobola parece “plagiar” (rs) o MEM, ambos com semelhante classificação no G7.

Quanto ao Z4, Palmeiras e Vitória disputam a derradeira “vaga” na Segundona de 2015, com mais chances para o Vitória, seja pelo MEM seja pelos mesmos ‘sites’ especializados.

Como observação derradeira, apenas o fato de que o primeiro time fora do Z4, neste ano, atingirá uma pontuação bem abaixo do padrão histórico dos campeonatos, no atual formato de vinte times: algo na casa dos 42, estima-se, com o Verdão.

Por fim, parabenizo o Cruzeiro pelo seu quarto título brasileiro, o terceiro na era dos pontos corridos, a igualar a marca do São Paulo. Conclusão: vale a pena ser organizado e manter uma estrutura capaz de sustentar um elenco de qualidade, com titular e reserva à altura, em cada uma das onze posições. Desse modo, chegar ao G4 torna-se uma consequência quase natural!

Um abraço a todo(a)s.

J.A.R.–H.C.

Fontes:






Felicidade em Suspenso

“Atento ao dia final, homem nenhum afirme: eu sou feliz!, até transpor – sem  nunca ter sofrido – o umbral da morte” (v. 1528-1530)
(SÓFOCLES, 2001, p. 111)

Dream Caused by the Flight of a Bee
around a Pomegranate a Second Before Awakening
(Salvador Dalí: 1944)

Vigília nos Umbrais

Passaram-me em sonhos
legiões de pares
que já transpuseram
os umbrais da morte,
e algo em mim vagou pela dúvida
de saber
quem estaria hábil
a ratificar o estado de felicidade
de alguém.

Mas se a máxima de Sófocles
é para os vivos,
tal como um corpo que expira,
a devanear em sonhos,
estarei eu aquém ou além do umbral?

E se liberto desse estado,
desperto, diligente,
haverá mistério que explique
por que somente pelos fatos
transcorridos,
e quando em bons termos,
se poderá apreciar
o estado de felicidade –
e nesse caso,
apenas daqueles que estão
em vias de incursionar
pela memória dos tempos?

Fado ou arbítrio?

J.A.R. – H.C.

Referência:

SÓFOCLES. Édipo Rei de Sófocles. Tradução de Trajano Vieira. São Paulo: Perspectiva/Fapesp, 2001.

domingo, 23 de novembro de 2014

Luis G. Montero – A Pressa das Ideias

García Montero, poeta e ensaísta espanhol, recita, como se vê no vídeo aqui referenciado, o seu belo poema em epígrafe. Notoriamente, reporta-se ele à ditadura da urgência: tudo em execução para ontem, sem tempo para reflexões sobre o sedimento deixado pela passagem das horas!

Tudo tem de ser rápido e com a máxima eficiência, qual uma premissa que denota a sua precedência em relação a qualquer outra. Se duvidar, se empregarmos a própria imagem de que Montero se vale, uma azáfama para trasladar ao fundo do mar o bem mais precioso, o sol, elemento e metáfora irredutível da vida. E que venham mais vidas para serem, literalmente, consumidas no turbilhão destrutivo desse ‘modus vivendi’ irrazoável.

Contra ele, o poeta retorna ao estado primevo representado pelo imediato contato com a natureza, aquela que, no instante zero de sua existência,  concedeu-lhe ‘anima’, o mesmo elemento constitutivo que ele reproduz em suas poesias. Para o bem dos que percebem a urgência de sua mensagem! 

J.A.R. – H.C. 
Garcia Montero
(n. 1958 – Granada)

El dogmatismo es la prisa de las ideas

Aquí junto a las dunas y los pinos,
mientras la tarde cae
en esta hora larga de belleza en el cielo
y hago mío sin prisa
el rojo libre de la luz,
pienso que soy el dueño del minuto que falta
para que el sol repose bajo el mar.

Esa es mi razón, mi patrimonio,
después de tanta orilla
y de tanto horizonte,
ser el dueño del último minuto,
del minuto que falta para decir que sí,
para decir que no,
para llegar después al otro lado
de todo lo que afirmo y lo que niego.

Esa es mi razón
contra las frases hechas y el mañana,
mientras la tarde cae por amor a la vida,
y nada es por supuesto ni absoluto,
y el agua que deshace los periódicos
arrastra las palabras como peces de plata,
como espuma de ola
que sube y se matiza
dentro del corazón.

Aquí junto a las dunas y los pinos,
capitán de los barcos que cruzan mi mirada,
prometo no olvidar las cosas que me importan.

Tiempo para ser dueño del minuto que falta.
Pido el tiempo que roban las consignas
porque la prisa va con pies de plomo
y no deja pensar,
oír el canto de los mirlos,
sentir la piel,
ese único dogma del abrazo,
mi única razón, mi patrimonio. 

O coelho apressado de
“Alice no País das Maravilhas
(Lewis Carroll)

O dogmatismo é a pressa das ideias

Aqui junto às dunas e pinheiros,
enquanto a tarde cai
nesta longa hora de beleza no céu
e faço meu sem pressa
o vermelho livre da luz,
penso que sou o dono do minuto que falta
para que o sol repouse sob o mar.

Essa é a minha razão, meu patrimônio,
depois de tanta margem
e de tanto horizonte,
ser o dono do último minuto,
do minuto que falta para dizer que sim,
para dizer que não,
para chegar depois ao outro lado
de tudo o que afirmo e que nego.

Essa é minha razão
contra as frases prontas e o amanhã
enquanto a tarde cai por amor à vida,
e nada é inconteste nem absoluto,
e a água que desfaz os jornais
arrasta as palavras como peixes de prata,
como a espuma da onda
que sobe e se matiza
dentro do coração.

Aqui junto às dunas e os pinheiros,
capitão dos barcos que cruzam o meu olhar,
prometo não esquecer as coisas que me importam.

Tempo para ser dono do minuto que falta.
Peço o tempo que as instruções subtraem
porque a pressa vai com pés de chumbo
e não deixa pensar,
ouvir o canto dos melros,
sentir a pele,
esse único dogma do abraço,
minha única razão, meu patrimônio.

Referência:

MONTERO, Luis García. El dogmatismo es la prisa de las ideas. In: __________. Un invierno propio. Madrid (ES): Visor, 2011. Disponível neste endereço. Acesso em: 19 nov 2014.