Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sexta-feira, 31 de outubro de 2014

José Juan Tablada - Japão

Como o Nobel Octavio Paz, José Juan Tablada foi um poeta e diplomata mexicano. E do mesmo modo como Paz se encantou pelo exotismo de países distantes, como a Índia, Tablada se rendeu aos fascínios do Japão.

E dedicou-lhe muitas poesias, como as coligidas na obra “Musa Japônica”. Dentre estas, sobressai a que escolhemos para ilustrar esta postagem, simplesmente denominada “Japão”: um poema-síntese de tudo o que se costuma predicar sobre a “Terra do Sol Nascente”.

J.A.R. – H.C.

José Juan Tablada
(1871-1945)

Japón

¡Áureo espejismo, sueño de opio,
Fuente de todos mis ideales!
¡Jardín que un raro kaleidoscopio
Borda en mi mente con sus cristales!

Tus teogonías me han exaltado
Y amo ferviente tus glorias todas;
¡Yo soy el siervo de tu Mikado!
¡Yo soy el bonzo de tus pagodas!

Por ti mi dicha renace ahora
Y en mi alma escéptica se derrama
Como los rayos de un sol de aurora
Sobre la nieve del Fusiyama.

Tú eres el opio que narcotiza,
Y al ver que aduermes todas mis penas
Mi sangre – roja sacerdotisa –
Tus alabanzas canta en mis venas.

¡Canta! En sus cauces corre y se estrella
Mi tumultuosa sangre de Oriente,
Y ése es el canto de tu epopeya,
Mágico Imperio del Sol Naciente.

En tu arte mágico – raro edificio –
Viven los monstruos, surgen las flores
Es el poema del Artificio
En la Obertura de los colores.

¡Rían los blancos con risa vana!
Que al fin contemplas indiferente
Desde los cielos de tu Nirvana
A las Naciones de Occidente.

Distingue mi alma cuando en ti sueña
– Cuadro sombrío y aterrador –
La inmóvil sombra de la cigüeña
Sobre un sepulcro de emperador.

Templos grandiosos y seculares
Y en su pesado silencio ignoto,
Budhas que duermen en los altares
Entre las áureas flores de loto.

De tus princesas y tus señores
Pasa el cortejo dorado y rico,
Y en ese canto de mil colores
Es una estrofa cada abanico.

Se van abriendo si reverbera
El sol y lanza sus tibias olas
Los parasoles, cual Primavera
De crisantemas y de amapolas.

Amo tus ríos y tus lagunas,
Tus ciervos blancos y tus faisanes
Y el ampo triste con que tus lunas
Bañan la cumbre de tus volcanes.

Amo tu extraña mitología,
Los raros monstruos, las claras flores
Que hay en tus biombos de seda umbría
Y en el esmalte de tus tibores.

¡Japón! Tus ritos me han exaltado
Y amo ferviente tus glorias todas;
¡Yo soy el ciervo de tu Mikado!
¡Yo soy el bonzo de tus pagodas!

Y así quisiera mi ser que te ama,
Mi loco espíritu que te adora,
Ser ese astro de viva llama
Que tierno besa y ardiente dora
¡La blanca nieve del Fusiyama!

Pavilhão Dourado
(Kyoto – Japão)

Japão

Áurea miragem, sonho de ópio,
Fonte de todos os meus ideais!
Jardim que um raro caleidoscópio
Tece em minha mente com os seus cristais!

Tuas teogonias têm-me exaltado
E amo fervente tuas glórias todas;
Eu sou o servo de teu Mikado!
Eu sou o bonzo de teus pagodes!

Por ti minha ventura renasce agora
E em minha alma cética se derrama
Como os raios de um sol de aurora
Sobre a neve do Fujiyama.

Tu és o ópio que narcotiza,
E ao ver que atenuas todas as minhas mágoas
Meu sangue – vermelha sacerdotisa –
Teus louvores canta em minhas veias.

Canta! Em seus leitos corre e se choca
Meu tumultuoso sangue de Oriente,
E esse é o canto de tua epopeia,
Mágico Império do Sol Nascente.

Em tua arte mágica – raro edifício –
Vivem os monstros, surgem as flores
És o poema do Artifício
Na Abertura das cores.

Riam os brancos com riso vão!
Que ao fim contemplas indiferente
Desde os céus de teu Nirvana
Até as Nações do Ocidente.

Distingue minha alma quando em ti sonha
– Quadro sombrio e aterrador –
A imóvel sombra da cegonha
Sobre o sepulcro de imperador.

Templos grandiosos e seculares
E em seu pesado silêncio ignoto,
Budas que dormem nos altares,
Entre as áureas flores de loto.

De tuas princesas e teus senhores
Passa o cortejo dourado e rico,
E nesse canto de mil cores
É uma estrofe cada abanico.

Vão se abrindo, se reverbera
O sol e lança suas tíbias ondas,
Os guarda-sóis, qual Primavera
De crisântemos e de amapolas.

Amo teus rios e tuas lagunas,
Teus cervos brancos e teus faisões
E a alvura triste com que tuas luas
Banham o cume de teus vulcões.

Amo tua estranha mitologia,
Os raros monstros, as claras flores
Que há em teus biombos de seda sombria
E no esmalte de teus vasos.

Japão! Teus ritos têm-me exaltado
E amo fervente tuas glórias todas;
Eu sou o servo de teu Mikado!
Eu sou o bonzo de teus pagodes!

E assim quisera meu ser que te ama,
Meu louco espírito que te adora,
Ser esse astro de viva chama
Que terno beija e ardente doura
A branca neve do Fujiyama. 


Monte Fujiyama

Referência:

TABLADA, José Juan. Japón. In: __________. El florilegio. Musa Japónica. Paris (FR); México (MX): Librería de la Vda. de Ch. Bouret, 1904. p. 121-123.

quinta-feira, 30 de outubro de 2014

Pier Paolo Pasolini – Fragmento à Morte

Poeta, novelista, cineasta, dramaturgo e ensaísta, o italiano Pier Paolo Pasolini era uma figura controvertida, mas de destaque na cultura italiana, até ser barbaramente assassinado em meados de nov/75, em Roma.

Lembro-me bem dos filmes de sua autoria a que assisti em salas de cineclubes ou comerciais em Belém (PA): O Evangelho Segundo São Mateus (1965), Teorema (1968), Decameron (1971), Contos de Canterbury (1972), 1001 Noites (1974) e por aí vai.

Àquela época, julgava as suas obras acentuadamente iconoclastas, como se quisesse, propositadamente, retirar a audiência da sua zona de conforto. E, em boa parte, ainda mantenho essa impressão. Mas as nossas impressões também mudam, e com o tempo reavaliamos os nossos pontos de vista.

Sem pretender fazer quaisquer conjecturas relacionadas às suas tendências sexuais invertidas, diria que, ainda assim, é quase impossível aferir o que ele representou para a cultura italiana contemporânea, e por extensão, mundial, sem alusões ao fato.

A sua obra poética, bem mais até que a cinematográfica, deixou-se permear pelas mediações que Pasolini lograva encetar com o seu próprio íntimo. Nela se percebe o recurso às odes, enquanto veículo catártico para os conflitos que o assolavam.

E para ilustrar o que dizemos, postamos a seguir um excerto de uma de suas poesias, “Frammento alla morte” (“Fragmento à morte”), por meio do qual se percebe o quanto Pasolini era um homem em luta consigo mesmo, carregado de ira, em equilíbrio instável ou em desequilíbrio, a ver em cada momento a possibilidade de transmutar-se em um novo ser por intermédio da morte, essa viagem que, como sabemos, não permite tutoria prévia.

Para os que desejam saber mais sobre o cineasta italiano, sugiro que assistam a este documentário, devidamente legendado em português, com o sugestivo nome “Pasolini e a Morte”.

J.A.R. – H.C. 
Pier Paolo Pasolini
(1922-1975)

Frammento alla morte
(Estratto)

Torno a te, come torna
un emigrato al suo paese e lo riscopre:
ho fatto fortuna (nell’intelletto)
e sono felice, proprio
com’ero un tempo, destituito di norma.
Una nera rabbia di poesia nel petto.
Una pazza vecchiaia di giovinetto.
Una volta la tua gioia era confusa
con il terrore, è vero, e ora
quasi con altra gioia,
livida, arida: la mia passione delusa.
Mi fai ora davvero paura,
perché mi sei davvero vicina, inclusa
nel mio stato di rabbia, di oscura
fame, di ansia quasi di nuova creatura.

De “La religione de mio tempo” (1961)

Prometeu Acorrentado
(Peter Paul Rubens: 1611-1612)

Fragmento à morte
(Excerto)

Regresso a ti, como regressa
um emigrado ao seu país e o redescobre:
fiz uma fortuna (no intelecto)
e sou feliz, tanto
quanto uma vez o fui, infenso a regras.
A negra fúria da poesia no peito.
Uma insana velhice de rapazinho.
Outrora tua alegria confundia-se
com o terror, é verdade, e agora
quase com outra alegria,
lívida, árida: a minha paixão desenganada.
Tornas-me agora deveras assustado,
porque realmente estás perto de mim, incorporada
ao meu estado de ira, de obscura
fome, de ânsia quase de nova criatura.

De “A religião de meu tempo” (1961)

Referência:

PASOLINI, Pier Paolo. Frammento alla morte (Estratto). In: La Botteghina del Libro, il segnalibro, n. 1, febbraio 2011, Forlì (IT). p. 2. Disponível neste endereço. Acesso em: 30 out 2014.

quarta-feira, 29 de outubro de 2014

Paul Éluard - Gato

A poética dos gatos ganha fôlego de sete vidas neste bloguinho: já são mais de sessenta poemas aqui postados. E para não deixar por menos, vamos a mais um: simplesmente denominado “Gato”, extraído da coletânea de poemas “Les animaux et leurs hommes” (“Os animais e seus homens”), de Paul Éluard, vinda a público em 1920.

Paul Éluard, pseudônimo do poeta francês Eugène Émile Paul Grindel, “(...) foi um dos fundadores do Movimento Surrealista. Com André Breton e Louis Aragon, experimentou novas técnicas verbais, ao explorar as relações entre sonho e realidade, e a expressão do pensamento” (RICCI; LOCKERT, 2012, p. 32).

J.A.R. – H.C. 
Paul Éluard
(1895-1952)

Chat

Pour ne poser qu’un doigt dessus
Le chat est bien trop grosse bête.
Sa queue rejoint sa tête,
Il tourne dans ce cercle
Et se répond à la caresse.

Mais, la nuit l’homme voit ses yeux
dont la pâleur est le seul don.
Ils sont trop gros pour qu’il les cache
Et trop lourds pour le vent perdu du rêve.

Quand le chat danse
C’est pour isoler sa prison
Et quand il pense
C’est jusqu’aux murs de ses yeux.

Cat
Gwen John
(1876-1936, British)

Gato

Para pousar não mais que um dedo
O gato é um animal por demais grande.
Sua cauda contorna a cabeça,
Contorce-se num círculo
E rende-se à carícia.

Porém, à noite, o homem vê seus olhos
Cuja palidez é o único atributo.
Eles são muito grandes para se esconder
E bem graves para o vento perdido do sonho.

Quando o gato dança
É para isolar sua prisão
E quando ele pensa
Não vai além do limite de seus olhos.

Referência:

ELUARD, Paul. Chat. In: RICCI, Céline; LOCKERT, Daniel (Piano). Encarte para o álbum Le Bestiaire. Boyce (VI; USA): Sono Luminus, 2012. p. 6. Disponível neste endereço. Acesso em: 29 out 2014.
ö

Ida Vitale – Gatos

Vamos a um passeio por mais uma criação literária dedicada aos felinos, explico-me, com um soneto da poetisa uruguaia, atualmente vivendo em Austin, no Texas (EUA), Ida Vitale.

Três gatos, com sugestivos nomes de três personagens do romance de capa-e-espada “Os Três Mosqueteiros”, do francês Alexandre Dumas – o jovem D’Artagnan e dois dos três mosqueteiros a que se reporta o título, Porthos e Athos (o terceiro é Aramis) –, são capazes de passar de súbito, como na vida real, de um estado de placidez ao de sofreguidão, ao empreender caçadas eróticas pelos telhados da vida.

J.A.R. – H.C.

Ida Vitale
(n. 1923)

Gatos

Como tras los mullidos ves tres gatos
a su trisagio erótico ceñidos,
saltar por los tejados, aguerridos
como otros D’Artagnan, Porthos y Athos,

pasas a depender, no de insensatos
pensamientos ajenos repetidos
ni de tu larga deuda de descuidos
sino del paso de estos gatos gratos.

El primero te quita de lo humano
sin llevarte por eso a lo divino;
el segundo te anima la sonrisa;

con el tercero, piensas, de la mano,
más cabal, de la cola del felino:
¿a qué, no siendo humanos, tanta prisa?

Montevideo (Uruguay, 1924)
De “Reducción del Infinito” (2002)
  

Gatos

Como depois de brandos vês três gatos
a seu triságio erótico cingidos,
saltar pelos telhados, aguerridos
como outros D’Artagnan, Porthos e Athos,

passas a depender, não de insensatos
pensamentos alheios repetidos
nem de tua vultosa dívida de descuidos
senão do passo destes gatos gratos.

O primeiro te libera do humano
sem levar-te por isso ao divino;
o segundo te anima o sorriso;

com o terceiro, pensas, de mãos dadas,
mais pleno, com a cauda do felino:
não sendo humanos, por que tanta pressa?

Montevidéu (Uruguai, 1924)
De “Redução do Infinito” (2002)

Referência:

VITALE, Ida. Gatos. In: Isla Negra 3/131. Casa de Poesía e Literaturas, mar 2008, p. 9. Disponível em: http://amediavoz.com/vitale.htm. Acesso em: 27 out 2014.
ö

terça-feira, 28 de outubro de 2014

Robert Frost - O Caminho Não Trilhado

O poeta norte-americano Robert Frost é um de meus preferidos: ele tem o mérito de escrever de um modo simples, sem complexidades portanto, mas com profundidade, com esmero, para nos fazer ver o que é relevante em nossas vidas.

E quanta identificação tenho com um de seus poemas mais conhecidos – “O Caminho Não Trilhado” –, por meio do qual procura evidenciar o quanto são determinantes as decisões que tomamos. Por mais que busquemos vislumbrar todas as possibilidades e consequências a que uma determinada alternativa nos levará, sempre há o imprevisto. E tomada a decisão quanto ao rumo a tomar, não há como voltar atrás. A trilha adotada será parte de nossa história e fará toda a diferença em relação àquilo que somos e logramos conseguir.

Um poema metafórico como muitos de Frost, que o levaram a conquistar o Prêmio Pulitzer em quatro oportunidades, o que por si só evidencia a aptidão de seus versos para gerar a aludida identificação de seus leitores aos valores que expressam.

E particularmente um verso desse seu poema ressoa em minha mente, como uma verdade inconsútil: escolher o caminho menos batido, para ver as coisas numa perspectiva fora da convencional, por vezes até a “defender” a causa de satã, com o objetivo claro de nunca me deixar capturar por maniqueísmos e visões de vida reducionistas.

E isso fez – e ainda faz – toda a diferença em meu “modus vivendi”! E julgo que me levou por experiências plenas de significado e muito marcantes. Algumas resultaram em equívocos, é certo, mas não sinto a necessidade de racionalizá-las, no sentido ilusório de justificar, para mim mesmo, que, à oportunidade apresentada, adotei o caminho correto! Nada disso: a vida é muito curta para lamentos e rancores!

Que venham novas veredas bifurcadas! As folhas outonais, indenes ainda à oxidação pelo pisar dos caminhantes, já não são capazes de me ocultar o que está por trás de cada simulacro da condição humana! Não sei se a natureza me permitirá chegar aos 89 anos de Frost. Seja como for, mesmo com as drummondianas pedras no meio do caminho, sinto-me gratificado pela vida que me foi concedida, já na idade em que ora me encontro!

J.A.R. – H.C. 
Robert Frost
(1874-1963)

The Road Not Taken

Two roads diverged in a yellow wood,
And sorry I could not travel both
And be one traveler, long I stood
And looked down one as far as I could
To where it bent in the undergrowth;

Then took the other, as just as fair,
And having perhaps the better claim,
Because it was grassy and wanted wear;
Though as for that the passing there
Had worn them really about the same,

And both that morning equally lay
In leaves no step had trodden black.
Oh, I kept the first for another day!
Yet knowing how way leads on to way,
I doubted if I should ever come back.

I shall be telling this with a sigh
Somewhere ages and ages hence:
Two roads diverged in a wood, and I –
I took the one less traveled by,
And that has made all the difference. 


O Caminho Não Trilhado

Dois caminhos bipartiam-se num bosque amarelo,
E sentido por não poder seguir por ambos
Sendo um viajante a sós, por longo tempo detive-me
E um deles contemplei tão longe quanto pude
Até onde se perdia entre os arbustos.

Então tomei o outro, igualmente acessível,
E a encerrar talvez melhor atrativo,
Pois era relvado e requeria uso;
Ainda que os que por ele trilharam
Tenham-no desgastado do mesmo modo,

E naquela manhã ambos jaziam
Sob folhas ainda não enegrecidas pelos passos.
Oh, deixei o primeiro para outro dia!
E sabendo que um caminho leva a outro,
Duvidei se alguma vez lá retornaria.

Isto hei de externar com um suspiro,
Daqui até a eternidade:
Dois caminhos bipartiam-se num bosque, e eu –
Eu segui pelo menos trilhado,
E isso fez toda a diferença.


Referência:

FROST, Robert. The road not taken. In: __________. Poems. Publisher: PoemHunter.com – The World’s Poetry Archive, 2004. p. 107. (Classical Poetry Series). Disponível neste endereço. Acesso em: 27 out 2014.
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domingo, 26 de outubro de 2014

“O Liberal” x “Diário do Pará” – Jatene x Helder

Enquanto isso, lá na “terrinha”, os jornais “O Liberal” – a apoiar o atual governador Jatene, do PSDB –, e “Diário do Pará” – ao lado do filho de Jáder Barbalho, Helder Barbalho, do PMDB –, hoje apresentam as suas armas, ou melhor, as pesquisas que bem lhes interessam! E o compromisso com a verdade fática, onde fica?

Se voltar a ocorrer o que aconteceu no primeiro turno, no Pará, é possível que a disputa seja vencida por uma das partes, na escala dos décimos percentuais... E haja Lexotan para os candidatos e seus eleitores até o resultado final! (rs).

J.A.R. – H.C.

 

Eduardo Galeano – O Sistema


Neste domingo, dia de eleições para presidente do Brasil em seu segundo turno, muito a propósito, postamos um poema de comprometimento social, de autoria de outro poeta e escritor uruguaio, Eduardo Galeano, o mais que conhecido autor de “As Veias Abertas da América Latina”, lá dos começos dos anos 70 do século passado.

Diz-nos ele: “Os meios de informação desinformam”. E todos vemos o quanto esses meios se prestam a defender os seus próprios interesses – jamais os do povo em geral –, quando bombardeiam nossos televisores e a internet com denúncias não devidamente assentadas sobre provas, no sentido cabal de influenciar de modo decisivo sobre o resultado das urnas, levando o candidato Aécio Neves à presidência.

Faço mensal especial à revista “Veja”, que se tornou o exemplo mais cabal de jornalismo sem qualquer ética. Basta ver que já desde fins dos anos 80, mesmo quando o PT sequer tinha alcançado o poder, suas matérias, de modo sistemático, somente apresentam conteúdo adverso a tal partido, pouco importando o que haja feito de positivo nos últimos doze anos pelo Brasil – e não foi pouca coisa no plano social! Ali, não há meio termo ou conteúdo ponderado: são apenas destratos contra quem a sua linha editorial não apoia.

Trata-se de um antijornalismo nas raias do estouvamento, com figuras como Reinaldo Azevedo, que, a julgar pelo conteúdo de seus artigos, colunas e inserções na internet, parece estar a merecer, com sinceridade, urgente tratamento psiquiátrico. Julgo que se a atual presidenta Dilma se reeleger, decerto esta noite terá que dormir com altas doses de Prozac.

Com efeito, o que a aludida revista fez na sexta-feira passada (24/10/14) é de uma sordidez sem par – e se expôs a ataques à sua sede, dos quais poderia, muito bem, passar à margem. Mas o fez jogando com o alto risco de sua própria continuidade, tanto mais que revistas impressas tendem mesmo a ter sua importância esvaziada, ante os meios eletrônicos de difusão em franca expansão.

O certo é que o Brasil está dividido, e isso me faz recordar uma frase, de cujo autor agora não tenho pleno conhecimento, segundo a qual a política é o meio mais sórdido para se decidir como amigos podem entrar em discórdia.

Embora meu voto seja para a continuidade da presidência exercida pela Dilma, não tenho objeções contra quaisquer candidatos – e passo muito bem com quaisquer deles lá no Palácio do Planalto.

E se houver necessidade de justificar ao leitor o meu voto, diria que, andando pelo Brasil, de norte a sul – e não apenas de modo concentrado na Região Sudeste –, nos últimos anos tenho visto uma quantidade numerosa de obras de grande porte – v.g., imensas hidrelétricas e outros empreendimentos – como jamais houve anteriormente, em especial no Norte e Nordeste do País, ou seja, exatamente as regiões menos aquinhoadas deste torrão, e não coincidentemente as regiões onde a atual presidenta encontra os maiores índices de aprovação ao seu governo.

Sob meu ponto de vista, a perspectiva de que a aprovação de Dilma, com fundamento tão somente na expansão do Programa Bolsa-Família em tais áreas, mostra-se acentuadamente reducionista. É a influência imediata da ação governamental na vida das pessoas que lhes modifica a avaliação, ou por outra, é a dimensão empírica da realidade que resulta vencedora contra eventuais assimetrias na obtenção de informações.

Bem! Eleja-se quem se eleger, a vitória será meio pirrônica: os custos imediatos para a maior parte dos que não apoiaram o vencedor não serão desprezíveis. Seja como for, confio bastante no comportamento amigável do povo brasileiro. Afinal, somos ou não a nação do lema “Ordem e Progresso”?!

Um grande abraço para todos os brasileiros!

J.A.R. – H.C. 
Eduardo Galeano
(n. 1940)

El Sistema / 1
(Eduardo Galeano)

Los funcionarios no funcionan.
Los políticos hablan, pero no dicen.
Los votantes votan, pero no eligen.
Los medios de información desinforman.
Los centros de enseñanza enseñan a ignorar.
Los jueces, condenan a las víctimas.
Los militares están en guerra contra sus compatriotas.
Los policías no combaten los crímenes,
porque están ocupados en cometerlos.
Las bancarrotas se socializan,
las ganancias se privatizan.
Es más libre el dinero que la gente.
La gente, está al servicio de las cosas.

(En: “El libro de los abrazos”) 


O Sistema / 1
(Eduardo Galeano)

Os funcionários não funcionam.
Os políticos falam, mas não dizem.
Os votantes votam, mas não elegem.
Os meios de informação desinformam.
Os centros de aprendizagem ensinam a ignorar.
Os juízes condenam as vítimas.
Os militares estão em guerra contra seus compatriotas.
Os policiais não combatem os crimes,
porque estão ocupados em cometê-los.
As bancarrotas são socializadas,
privatizam-se os lucros.
O dinheiro é mais livre que as pessoas.
As pessoas estão a serviço das coisas.

(Em: O Livro dos Abraços)

Referência:

GALEANO, Eduardo. Sistema / 1. In: __________. Entre los poetas míos... Espanha: Biblioteca Virtual Omegalfa, Marzo 2013. p. 17 (Colección Antológica de Poesía Social, n. 18). Disponível neste endereço. Acesso em: 26 out 2014.